Recomeço
“Só há um amor verdadeiro. O que está dentro de nós, o incondicional.”
Morreu jovem, deixou três filhos, duas meninas, um menino e a mim, sua esposa.
Homem forte, aparentemente saudável, sua morte súbita pegou a todos de surpresa.
Não foi fácil. Dormir na mesma cama sabendo que ele não estaria a meu lado, acordar e ver seu travesseiro vazio, sentir seu cheiro impregnado em todo quarto. Ir ao banheiro e saber que não terá mais utilidade a escova de dente e o aparelho de barbear, o seu perfume.
Sentar a mesa do café sem ouvir sua voz única, grave, rouca, chegando por trás dela, dando bom dia, um beijo e chamando-a de meu amor.
Costumava fazer surpresas chegando a casa quando ela estava só, de mansinho, dizendo que dera saudade, abraçando e beijando, amando-se aonde quer que fosse, no chão da cozinha, em cima da mesa, no quarto, na sala, nunca mais.
De uma hora para outra se transformou em mãe e pai.
Assumiu tarefas com as quais não estava acostumada a lidar. Fora sempre o contraponto da casa, quando ele ficava nervoso com as crianças," punha panos" quentes, o abrandava até sorrir.
Agora quem dizia não era ela, seus filhos não conheciam este seu lado, nem ela, foi sempre super protetora.
Embora tenha deixado pensão e casa própria, para manter o mesmo padrão de vida teve que ir trabalhar algo que desde que nasceu seu primeiro filho não fazia. Arrumar emprego não foi fácil, não era o que pretendia, mas foi o melhor dentro do possível.
Dupla jornada. Acostumaram com a mãe em casa fazendo tudo, ajudavam pouco ou nada. Chegava à casa cansada, arrebentada, pedindo água, e não acreditava louça do café misturada com a do almoço, quase todos os copos, mesa ainda com manteiga, queijo, pão, nem a mesa do café tiravam para almoçar. Nos banheiros e quartos roupas para todo o lado, camas por fazer.
Encostava-se à parede do corredor, deixava seu corpo escorregar até sentar sobre o carpete, colocava a cabeça entre os joelhos dobrados e chorava.
Depois respirava fundo e ia à luta, não podiam vê-la fraquejar, quando chegassem encontrariam tudo limpo e a janta pronta. Não a venceriam.
Tudo pronto teria uma conversa franca com todos, mas de tão cansada, acordava no dia seguinte pronta para trabalhar, esquecia tudo pedindo apenas que Deus lhe desse forças para continuar.
Dez anos, passou rápido, seu caçula estava com dezoito anos, sua mais velha para se casar, a do meio formando na faculdade. Criou-os, conseguiu.
Desde a morte de seu marido nunca mais namorou, sexo, nem em pensamento, ele era e será seu grande amor, para sempre.
Ainda chamava a atenção. Sempre fora uma mulher bonita, de rosto e de corpo, elegante, cabelos castanhos claros, nunca os tingiu, alta, mulherão, se impôs pela sua capacidade e inteligência, por isto sempre foi respeitada.
Um dia, no consultório de seu dentista, começou a conversar na sala de espera com um paciente que como ela aguardava atendimento, devido ao atraso do doutor, acabaram conversando muito, por coincidência ou destino acabaram se encontrando em outras consultas.
Descobriu que era divorciado e morava com a filha, estudante de medicina. Acabaram almoçando juntos várias vezes, antes de iniciarem um namoro.
O que parecia um feliz recomeçar de vida para ambos, revelou-se um pesadelo quando filhos de ambos souberam do namoro,
É como se eles não tivessem o direito de ser felizes, seus filhos infernizam tanto que são obrigados, como crianças a namorarem escondidos.
Se acha culpada, tem receio de tomar a decisão certa quer é mandar, adultos que são, cuidarem da própria vida.