Acordou sobressaltado com o silêncio. Uma sensação de desconforto, uma apreensão que não podia compreender o envolvia e o engolia lentamente. Sacudiu a cabeça como se assim pudesse arremessar ao longe o que sentia. Olhou o relógio na cabeceira e não acreditou no que viu. Eram 9 horas da manhã e nem aos domingos acordava tão tarde. Homem metódico e disciplinado que era, tinha por hábito levantar-se às 6 horas de segunda a sábado.
Ensaiou dar um pulo da cama, mas logo desistiu. O movimento brusco lhe causou tontura e certa náusea. Respirou fundo algumas vezes, enquanto sentia o coração descompassado pelo medo. Buscou o crucifixo, pendurado na corrente que trazia ao pescoço e o beijou fervorosamente, como se rezasse uma prece.
Um pouco mais calmo, chamou a mulher num tom mais baixo que o usual. Não ouviu resposta alguma. Levantou-se cuidadoso e se dirigiu à cozinha, onde ela deveria estar às voltas com o preparo do café da manhã. Certamente, também tinha perdido a hora de acordar.
Nenhum som, nenhum cheiro, nenhum vestígio... Não conseguia atinar com o que estava acontecendo, até que pela porta entreaberta, que dava acesso à área de serviço, ele viu. Gaiola e porta dos fundos escancaradas. A ausência falava, gritava o que não quisera ouvir ao longo dos últimos anos: - Vai chegar a hora em que estarei livre para voar.
Uma pena era o único sinal de que antes ali havia um pássaro aprisionado. Quanto à sua mulher, nenhum sinal restara do seu aprisionamento. Ela levara consigo suas penas para soltá-las durante o voo.