O taxista
No meio de uma chuvada intensa, e com uma dor de garganta daquelas, estendo a mão para um dos táxis que passam pela Avenida Maracanã, mas sem sucesso; não há maneira deles pararem, reparo que a maioria deles vem sem passageiro algum, e mesmo assim, nem olham para o meu pedido de ajuda. São uns sacanas, fogem da tempestade como o diabo da cruz e eu aqui envolto de um guarda-chuva que de apara chuva não tem nada - pudera - ele é tão pequeno e frágil que mais parece uma daquelas donzelas em tempos de guerra que choram rios de lágrimas por seus maridos. Isto me faz lembrar um filme de Jean-Pierre Jeunet, cujo nome era “Un long dimanche de fiançailles”, que conta a história da jovem Mathilde que aguarda notícias sobre Manech, seu noivo, que fez parte de um grupo de cinco soldados que, individualmente, provocaram auto-mutilação, de forma a poderem abandonar a frente de batalha da guerra. Essa situação fez com que fossem condenados pela corte marcial e, após serem transportados para uma trincheira francesa, são deixados à morte no território existente entre o local em que estavam e a trincheira alemã. Apesar de todos serem dados como mortos pelo exército francês, Mathilde acredita que Manech está vivo e inicia, por conta própria, uma busca por pistas que confirmem isso. Será que ela o encontrou?
- Vão ter que ver o filme.
Pois também o taxista fugiu à sua guerra, e por isso tive que vir à chuva: molhei minhas calças todas, meus pés ficaram nadando em água, os caminhos estavam tapados, percorri vários metros para chegar a casa, e não descobri o segredo. Onde param os taxistas nestes dias que mais precisamos deles?
- Malditos, como eu vos detesto, mas na hora saberei vos questionar. Não falta muito para me vingar de vocês, aguardem pelo troco. De todos vós, apenas guardo com agrado o táxi do senhor Leu Quitério, que raio de nome, certamente que quando nasceu devia ser feio como sua mãe, ninguém merece um nome destes. Ainda assim, ele é dos poucos taxistas cariocas que honram seu estatuto, para além de ter bom gosto musical - ouve música clássica - ele é honesto {coisa rara nesta cidade}, pergunta sempre qual o caminho que eu quero fazer, e quando estou errado ele me indica um caminho mais rápido, de forma a que o taxímetro não dispare. Confio nele o suficiente para entrar em seu carro sem receios e me confessar, habituei-me a dizer meus pecados para ele, tanto é, que da última vez que me levou – deu-me seu cartão de taxista, não de padre. Agora sempre que preciso ligo para o dito cujo. Todavia, neste dia também ele não se encontrava ao serviço, tinha acabado de colocar os tênis na garagem da vizinha, antes mesmo de os primeiros pingos começarem a cair. Quem diria que simples gotas dariam para encher o Rio de Janeiro. Que tragédia esta... A culpa é dos taxistas! Tanto rezam para que chova, que na hora “H” dão o fora. E os transeuntes tentam a todo o custo evitar as lágrimas do céu, se protegem com simples guarda-chuvas feitos de papelão em forma de cone. Onde o choro de Mathilde se assemelha a um guarda-chuva roto, é um choro para dentro, que molha a alma como se de uma gruta se tratasse.
- Of Course, as grutas sempre choraram para dentro, e nunca se queixaram, já os guarda-chuvas deveriam chorar para fora, mas dada a sua debilidade, eles acabam quase sempre por derramar o leite para o corpo. A dor é a mesma, uma lágrima de uma jovem desesperada tem o mesmo valor que uma gotícula da chuva na cabeça de um mendigo. Um taxista que foge da tempestade tem o mesmo significado que um militar que foge da guerra. No meio disto tudo apenas se salva o homem do nome estranho.
O qual ainda vagueia pela minha mente como uma serpente pelo deserto... Se eu pudesse mudar-lhe-ia o nome. Por exemplo, senhor Pascoal, acho o nome adequado à sua figura. Mas se o caro leitor quiser outro, é uma questão de conversarmos. Eu não me importo. Preocupo-me!? Sim, com o paradeiro de Manech, esse guerreiro que desonrou seu país para buscar o reencontro com sua amada.
- Alguém o viu?
Sua amada o procura...