PEDIDO DE SEPARAÇÃO


 

O Fórum da cidade fica bem de frente para a praia. Uma beleza! E não há melhor lugar de reabilitação do que dar uma parada ali na frente, sentir o vento marinho desmanchando cabelos, subindo saias e olhar para o horizonte azul onde brota aquele marzão salpicado de luz e sol. A inconveniência fica por conta das “consultas” de quem chega. Onde fica o cartório? Onde vai ser a audiência de fulano? Como fazer para? Por aí vai. Ninguém quer saber quem você é. Chegou, achou alguém ali, pergunta.

Então chegou esse senhor, beirando aos oitenta, vozinha sumida, dirigiu-se a um amigo ao lado querendo saber onde poderia pedir sua separação. Meu amigo, num gesto simples, surpreso e curioso, pedindo desculpas, quis saber quem gostaria de se separar, ao que, com tranquilidade, o senhor respondeu: eu mesmo. E há quanto tempo o senhor está casado? Já aí o homem se empertigou, como se no vazio entre perguntas e respostas alguma dúvida mais infeliz pudesse surgir. Três meses, por quê? Sentido a reação dele face à pergunta do meu amigo, intervim, indicando o lugar onde encontraria as informações que buscava.

Passado alguns minutos o senhor voltou, olhou para mim e perguntou pelo outro, meu amigo. Respondi e antes que pudesse sair ele resolveu se explicar. Vou contar para a senhora porque mulher vai me entender melhor. Disse-me ele que casou por dois motivos, que na verdade dava tudo em um só. Não aguentava mais um monte de gente correndo pela casa todos os finais de semana. Tinha doze filhos, dezesseis netos e oito bisnetos. Se não ficasse em casa era obrigado a ir para a casa de um dos filhos, o que dava no mesmo. Então, conhecia a filha da vizinha e, numa conversa, chegaram lá a um acordo, ele e a mãe da menina.

Nenhum filho, muito menos neto, disse a. Porque não era homem pra isso. Cuidou da mãe, cuidou deles e ainda cuidava dos netos e bisnetos, quando precisava. Mas não carecia. Os filhos estavam todos bem casados, inclusive as meninas, e cada um tinha lá seu canto pois que ele calejou a mão para não ter que viver de esmola de ninguém. Estava era cansado do barulho, dos aparelhinhos de hoje que não param de tocar, do batuque pelos sábados e feriados inteiros se arrastando até as altas. Queria aquilo mais não. Se quisesse ouvir a cantoria do seu azulão tinha que pegar a gaiola e ir para o meio do mato. Também não tinha dentes para ficar roendo costela feita em brasa, nem gosto para bebidas. Recebia a aposentadoria direitinho, tinha lá nos fundos da chácara uns quartinhos alugados, não precisava de mais. Arranjasse uma mulher deixariam ele lá no sossego. Se não deixassem, tinha motivo para pedir.

Trato feito, casamento marcado, tudo pago por ele e a promessa de uma casinha em nome da mulher tão logo tudo estivesse resolvido. A moça era novinha, ele sabia. Mas teve a garantia da mãe que já era moça feita, mulher formada, boa na cozinha e na casa, acostumada com trabalho e, tendo boca, não falava.

Casou no juiz, com terno e vestido de noiva, tudo direitinho. Até que foram dormir. A moca se trancou no quarto e nada de sair. Já era noite alta quando queixosa se sentou na cama toda enrolada no lençol. E nada aconteceu desde aí. Não por ele, que ainda era homem forte e saudável – “Se é que a senhora me entende” – aduziu, mas pela moça que não aceitava fazer “secho”, só fazer amor. “A senhora vê, que coisa. Isso não é do meu tempo não e, aprender tudo de novo... Não dá!

De tal forma, eu vim...
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 18/04/2010
Código do texto: T2205125
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