Os Bentos no Vaticano

     Quando, hoje pela manhã, abri meu computador, tinha em mente escrever alguma coisa sobre o outono; e, em especial, o de Salvador, um outono molhado e bem molhado.
    As chuvas que caíram sobre a capital baiana foram tantas e tão fortes que, assustado, resolvi queimar os ramos abençoados pelo meu vigário e distribuídos aos fieis na missa do domingo que abriu a Semana Santa.
    Os antigos me ensinaram que, na hora da procela, com relâmpagos e trovões cortando o céu, tocando fogo nos ramos bentos, nada acontece com quem os queima.
          Mas, apesar dos temporais que desabaram sobre a cidade de São Salvador da Bahia, as frondosas amendoeiras que circundam meu edifício estão anunciando a chegada do outono.
          Da minha janela, no quinto andar, vejo dezenas de folhas amarronzadas se desprendendo sutilmente dessas árvores amigas e, levadas pelo vento, pousando, com delicadeza, no asfalto ainda com muitas e traiçoeiras poças d´água.
          Aumentando, claro, o trabalho de minha simpática gari, dona Sônia, que com a paciência de uma beneditina, cumpre sua tarefa diária de limpar minha rua, impiedosamente maltratada por moradores mal-educados. 
          Amanhece o dia, e ela chega envergando sua fardinha grená, com um sorriso no rosto e uma modinha nos lábios!
     Olhando pras folhas amarronzadas das amendoeiras, me veio à lembrança o ex-frei Leonardo Boff.
     Escrevendo sobre a chegada do outono, ele fez esta seráfica observação: " A natureza toda entra em noviciado e se veste com o hábito de São Francisco." Seria o outono uma estação franciscana?
    Como faço todos os domingos, liguei meu televisor, e acessei a TV italiana para receber, em tempo real, a benção do Papa, diretamente de Roma.
    A liturgia estabelecida pelo Vaticano é a seguinte: Da sua janela, no Palácio Apostólico, o pontífice ler dois sermões e encerra sua audiência dominical rezando a Oração do Ângelus. Em seguida. o papa recebe os aplausos da multidão que enche a Praça de São Pedro.
    É uma momento religioso muito significativo e comovente. Percebi isso quando, no início do outono de 2009, estive naquela imensa praça, na manhã da bênção papal.
    Claro que Bento 16 não tem e nunca terá a popularidade de João Paulo II, que, volvidos tantos anos de sua morte, ainda é alvo de demorados aplausos, sempre que seu nome é citado.
     Karol era uma papa midiático. Mestre de um mise-en-scéne nunca praticado por nenhum outro pontífice. 
     Hoje, pela televisão, notei um Bento cauteloso e amargurado. Parecia se esforçar para não demonstrar o constrangimento que lhe veem causando os acontecimentos negativos envolvendo a Igreja de Roma.  
    Deve estar enfrentando uma barra pesada. Inclusive depois das declarações de alguns cardeais que bem mereciam estar amargando, como castigo, digamos, um silêncio obsequioso. 

     Desprezei a pequena pesquisa que fizera sobre o outono, sua beleza, na prosa e na poesia, me agarrei ao livro Santos e Pecadores - História dos Papas, do escritor Eamon Duffy, e passei os olhos, embora um tanto aligeirado, sobre os Bentos que já estiveram ocupando a cátedra de São pedro.
         Bento I dirigiu a Igreja de janeiro de 575 a julho de 579; e Bento XV (Giacomo della Chiesa) de setembro de 1914 a janeiro de 1922.
          Através dos séculos, tivemos um Bento eleito papa três vezes; um Bento que morreu envenenado; e um Bento, o Bento VI, que, depois de encarcerado no Castelo de Santo Ângelo, foi estrangulado e teve seu corpo atirado no Rio Tibre,  mais tarde resgatado e sepultado, dignamente, nas Grutas Vaticanas.
          Tivemos catorze Bentos italianos, um Bento francês e temos um Bento alemão. 
          Tivemos um Bento libertino, o Bento IX; Bentos piedosos, generosos, e Bentos diplomatas, na hora de enfrentar os severos e estranhos imperadores romanos. 
          Pela leitura apressada que fiz, nenhum dos Bentos tivera um reinado absolutamente tranquilo.
          Todos enfrentaram sérias turbulências dentro e fora da Igreja, à época, ligada ao Estado.
 
          Por que o cardeal J. Ratzinger - homem culto e piedoso - quis ser chamado de Bento, só ele poderá explicar. Mas, com certeza, não deve ter sido por acaso. 
          Ressalte-se, que não existe lei obrigando os papas eleitos a escolher um novo nome. É, apenas, um costume milenar; vem desde o papa João II, em 533. 
          Bento vem do latim Benedictum, cuja tradução é abençoado. 
         O nome que escolheu, poderá, quem sabe, ajudar  nosso Bento XVI a  resolver a encrenca em que a Igreja se meteu por culpa de alguns dos seus membros, de condenável comportamento. 
          Bento, bendito abençoado?  Parece que o cardeal Ratzinger previu o que podia acontecer na Igreja durante o seu reinado. 
          Só um papa abençoado, acho eu, terá condições de romper essa turbulência sem o correr o risco de ver o barco de Pedro irreparavelmente avariado.      
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 18/04/2010
Reeditado em 08/08/2013
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