DOR DE COTOVELOS

Era uma tarde ensolarada, o canto dos pássaros beijando o ar sereno e fresco, uma maré, que apesar de poluída, espelhava os raios do sol e transmitia a força do céu. Pare-se desde já! Esqueçamos essa droga de linguagem poética, pois foi nessa mesma tarde, com o mesmo canto, às margens das mesmas águas e sob o mesmo céu, que vi minha amada chifrar-me sem pudor algum. Logo ela que um dia antes me jurou amor eterno...

Que tipo de maldade existe no amor? Que tipo de bondade existe no ódio?

Dane-se! Saí a cem por hora, desgovernado, pois afinal, por mais que não se ame, ser traído é sempre um sentido de sentir-se insignificante... indo logo contemplar um pouco mais dessa natureza que não foi capaz de me dar a segurança de uma fidelidade. Quão imbecil sou eu! De que adianta jurar lealdade, se a fidelidade é um prato cheio? Ou seja, por mais que se coma, a fome voltará!

Pouco importa, corri até a bela praia de Camapum, direto ao mar, o olhei temeroso por temê-lo, dei meia volta e fui para o cabaré da dona Santinha ao beiço da praia, sentei-me numa mesa ao fundo isolado e assim fui ler os sermões do impecável padre Antônio Vieira. Ele, destemidamente, logo me gritou ao pé do ouvido as palavras de Sêneca: “Não há coisa para conosco mais vil que nós mesmos. Revolvei a vossa casa, buscai a coisa mais vil de toda ela e achareis que é vossa própria alma [...] vale mais uma alma que todo o mundo”...

Entretanto, o que via não era alma ou espiritualidade alguma. O que via, de fato, eram corpos dançando em pleno cabaré a procura do gozo e do orgasmo: um cansaço eterno por apenas trinta segundinhos de prazer. Só vejo corpos e os vejo a fim de prazer e nada mais. Até um mendigo que não tem sequer um centavo nem um pingo de dignidade humana qualquer, se o dinheiro pedido ao favor do pão exceder, que o banhe na cachaça. Triste, mas, justamente por culpa da tara e do instinto corporal que agora estou despejando meu desprezo no mar medíocre do apetite carnal...

... Não ser amados, até suportamos. O que não aceitamos, na verdade, é que pisem no amor ingênuo que entregamos inocentemente à porcaria do corpo humano, uma vez que este, de inocente não tem nada!

O único espírito que conheço e sei que é real, se chama desejo e mora alojado na mente da razão, deitadinho na vontade e na ânsia do prazer!

E assim, imerso num cabaré, lugar mais fiel que já conheci, mercenário por natureza, cheguei à conclusão e virei dono da razão em dizer que o amor é tão antropofágico quanto um cardume de peixes!

Findei deitado por sobre a mesa às cinco da manhã com o raiar do sol em meu rosto e o copo da cerveja já quente esparramada por sobre as páginas dos sermões do inocente Antonio vieira. E o que fazer agora? Nada. Basta levantar-se e esperar a próxima traição!