OS PADRES DE MINHA INFÂNCIA
O dia 5 de maio mais uma vez está chegando. E, lá vêm as lembranças de minha infância. Uma infância povoada de acontecimentos, digamos, um pouco diferente do normal. Imagina, mal abrí os olhos para o mundo, o que vejo...juntos aos rostos sorridentes de meus pais, uma núvem negra, que me acompanharia por um longo tempo em minha vida...toda a minha infância e adolescência. Não, não era nada convencional. Essa falada núvem, era tão somente o negro das batinas de um monte de padres que passariam a ser meus fiscais, meus guardas, algumas vezes meus protetores e, permanentemente meus sócios no meu lar e no amor de meus pais.
Pois é, nascí vinda de uma família, quase santa, um tio padre, um primo bispo, meu pai, um ex seminarista, educado pelo irmão padre, era quase um padre. Com seu porte altivo, sua educação refinada, sua voz meiga, carinhosa, certamente teria sido um belo padre, se aquela brejeirinha não tivesse aparecido em seu caminho para o desviar do seminário, apenas por colocar um pião rodando em sua mão.
Como se tudo não bastasse, nascí numa casa vizinha a catedral. Estava armado o circo.
Não sei bem dizer o que representou essa aproximação exagerada com padres, mas de uma coisa, sabia. Não gostava daquela situação. Os padres, e, eram dezenas, dominavam...Tudo que tivesse de melhor na casa, era destinado a eles; aquele doce de jaca seco que minha mãe fazia, ficava lá na compoteira à espera dos glutões ´para se deliciarem, e só então, eu pobre mortal, tinha acesso ao doce.
E, na época de junho...aí a situação se complicava, época de comidas de milho. Eu, então, era convocada para ajudar as empregadas a rapar os cocos que seriam usados na confecção das canjicas, bolos e pamonhas. E, lá ia eu sentar naquele banquinho com o ralador entre as pernas a ralar os cocos. Nada mais justo que eu ser a primeira a provar as iguarias. Qual nada...Um padre, certamente o mais guloso, padre João, apareceria no momento exato da saída da primeira taxada de canjica. Lá se ia minha esperança de ser a primeira a comer...restava-me o "tacho" de cobre a ser raspado...á medida que ia tirando as lascas de canjica, o cobre ia aparecendo...como era bonito!
Não entendia como os padres conseguiam armazenar tanta comida...E, minha mãe, continuava pacientemente a encher aqueles buchos insaciáveis.
Bem, mas, não era só na comida que a situação era desmedida. Muitas e muitas vezes, via minha mãe a costurar alguma batina que se rasgasse. Lá vinha o padre a apelar para ela fazer um cerzimento, ou até mesmo fazer uma batina. Nossa, eu detestava. Essas tais batinas, feitas de tecido grosso, pesado, nem sempre eram bem cuidadas, lavadas...E, lá vinha aquele cheirinho nada agradável de suor condensado. No entanto, alguns deles, poucos, eram perfumados. Lembro bem o cheiro de lavanda inglesa que Padre Abath usava. Ele passava, o cheiro ficava. Eita padre bonito! Sonho de consumo de todas as beatas, sonhos esses que por mais pecaminosos, ficavam sem resposta, já que o mesmo as ignorava...infrutíferas investidas.Lembro bem de padre João, nossa...odiava a presença dele e seu cheiro perene de insoso. Ele ficava falando comigo, eu calava, mas logo minha mãe dizia, filhinha, padre João está falando com voce. Triste de mim se não respondesse.
Mas, o ápice de tudo era na famosa semana santa...tinha a
impressão que eles se procriavam...de dez, viravam mil. Era padre pra todo lado, e á toda hora. Em todos os cantos e recantos da casa, um padre...era demais para mim. Era padre na mesa, era padre na rede do terraço tirando uma soneca para voltar ao confessionário...onde me virasse lá estava um deles. Eu era uma ilha cercada de padres.
E, o pior, sempre tinha um a fazer aniversário...lá vinha um bolo, caprichosamente feito por minha mãe, para encher as panças deles. Era como se ela tivesse casado com todos eles, ela os cuidava.Meu pai então, se sentia honrado em ter seu lar, como uma extensão da igreja.
Eu? Na verdade, eu morria de inveja de nossos hóspedes perenes e indesejados. Queria minha família para mim, e, não entendia por que meus pais não notavam que jamais conseguiriam saciar a fome dos gulosos.
Na verdade, aquele era o mundinho de meus pais, onde eles se sentiam protegidos amados e respeitados. Talvez eu tenha errado por ter sido tão arisca áquela invasão de padres em minha vida. Mas, acho que não foi de todo mal...aquí estou...as núvens negras se foram, e, confesso, deixaram saudades...
O dia 5 de maio mais uma vez está chegando. E, lá vêm as lembranças de minha infância. Uma infância povoada de acontecimentos, digamos, um pouco diferente do normal. Imagina, mal abrí os olhos para o mundo, o que vejo...juntos aos rostos sorridentes de meus pais, uma núvem negra, que me acompanharia por um longo tempo em minha vida...toda a minha infância e adolescência. Não, não era nada convencional. Essa falada núvem, era tão somente o negro das batinas de um monte de padres que passariam a ser meus fiscais, meus guardas, algumas vezes meus protetores e, permanentemente meus sócios no meu lar e no amor de meus pais.
Pois é, nascí vinda de uma família, quase santa, um tio padre, um primo bispo, meu pai, um ex seminarista, educado pelo irmão padre, era quase um padre. Com seu porte altivo, sua educação refinada, sua voz meiga, carinhosa, certamente teria sido um belo padre, se aquela brejeirinha não tivesse aparecido em seu caminho para o desviar do seminário, apenas por colocar um pião rodando em sua mão.
Como se tudo não bastasse, nascí numa casa vizinha a catedral. Estava armado o circo.
Não sei bem dizer o que representou essa aproximação exagerada com padres, mas de uma coisa, sabia. Não gostava daquela situação. Os padres, e, eram dezenas, dominavam...Tudo que tivesse de melhor na casa, era destinado a eles; aquele doce de jaca seco que minha mãe fazia, ficava lá na compoteira à espera dos glutões ´para se deliciarem, e só então, eu pobre mortal, tinha acesso ao doce.
E, na época de junho...aí a situação se complicava, época de comidas de milho. Eu, então, era convocada para ajudar as empregadas a rapar os cocos que seriam usados na confecção das canjicas, bolos e pamonhas. E, lá ia eu sentar naquele banquinho com o ralador entre as pernas a ralar os cocos. Nada mais justo que eu ser a primeira a provar as iguarias. Qual nada...Um padre, certamente o mais guloso, padre João, apareceria no momento exato da saída da primeira taxada de canjica. Lá se ia minha esperança de ser a primeira a comer...restava-me o "tacho" de cobre a ser raspado...á medida que ia tirando as lascas de canjica, o cobre ia aparecendo...como era bonito!
Não entendia como os padres conseguiam armazenar tanta comida...E, minha mãe, continuava pacientemente a encher aqueles buchos insaciáveis.
Bem, mas, não era só na comida que a situação era desmedida. Muitas e muitas vezes, via minha mãe a costurar alguma batina que se rasgasse. Lá vinha o padre a apelar para ela fazer um cerzimento, ou até mesmo fazer uma batina. Nossa, eu detestava. Essas tais batinas, feitas de tecido grosso, pesado, nem sempre eram bem cuidadas, lavadas...E, lá vinha aquele cheirinho nada agradável de suor condensado. No entanto, alguns deles, poucos, eram perfumados. Lembro bem o cheiro de lavanda inglesa que Padre Abath usava. Ele passava, o cheiro ficava. Eita padre bonito! Sonho de consumo de todas as beatas, sonhos esses que por mais pecaminosos, ficavam sem resposta, já que o mesmo as ignorava...infrutíferas investidas.Lembro bem de padre João, nossa...odiava a presença dele e seu cheiro perene de insoso. Ele ficava falando comigo, eu calava, mas logo minha mãe dizia, filhinha, padre João está falando com voce. Triste de mim se não respondesse.
Mas, o ápice de tudo era na famosa semana santa...tinha a
impressão que eles se procriavam...de dez, viravam mil. Era padre pra todo lado, e á toda hora. Em todos os cantos e recantos da casa, um padre...era demais para mim. Era padre na mesa, era padre na rede do terraço tirando uma soneca para voltar ao confessionário...onde me virasse lá estava um deles. Eu era uma ilha cercada de padres.
E, o pior, sempre tinha um a fazer aniversário...lá vinha um bolo, caprichosamente feito por minha mãe, para encher as panças deles. Era como se ela tivesse casado com todos eles, ela os cuidava.Meu pai então, se sentia honrado em ter seu lar, como uma extensão da igreja.
Eu? Na verdade, eu morria de inveja de nossos hóspedes perenes e indesejados. Queria minha família para mim, e, não entendia por que meus pais não notavam que jamais conseguiriam saciar a fome dos gulosos.
Na verdade, aquele era o mundinho de meus pais, onde eles se sentiam protegidos amados e respeitados. Talvez eu tenha errado por ter sido tão arisca áquela invasão de padres em minha vida. Mas, acho que não foi de todo mal...aquí estou...as núvens negras se foram, e, confesso, deixaram saudades...