COINCIDÊNCIAS
Peço licença à Tânia Alvariz e vou começar esta crônica como ela sempre gosta de iniciar algumas das suas: “Cada coisa que acontece na vida da gente...“ Na última segunda feira, eu fui buscar a minha filha na saída da escola e, chegando um pouco mais cedo fiquei ali no portão coçando o... cabelo da cabeça enquanto pensava qualquer coisa amena para um dia de muita chuva. O carro havia ficado meio longe, estava caindo muitos raios, o portão da escola ainda fechado e só havia umas árvores, que segundo os meteorologistas, não é o lugar mais seguro para se esconder. Como o calor era intenso, resolvi encarar o toró, já que avistei uma pessoa que me pareceu familiar e na mesma situação. Eu o olhava de soslaio e ele também. Alguém tinha que tomar a iniciativa e eu tomei
- Você não é o Rodrigues?
- Sim, sou eu mesmo. E você é o Zé Cláudio, suponho.
Daí para frente, nós atualizamos vinte e cinco anos em quinze minutos de conversa. Era o cúmulo da coincidência esse encontro, pois fazia naquele dia, exatamente vinte e cinco anos que eu me despedia da empresa onde trabalhava e me mudava para outra. Ele, na época, era o que se chamava chefe do setor de pessoal, hoje mais conhecido como RH. Depois soube que ele também havia saído da empresa, formou-se advogado e botou banca na praça. O Rodrigues se destacava mais pela bisbilhotice do que propriamente pelo seu ofício. Ele agia como se fosse uma espécie de tutor da vida alheia sem ter sido nomeado. Me lembro que sempre ia à sala onde eu ficava para saber detalhes de minha vida com objetivos não muito transparentes. Eu era muito novo e tinha muito medo de perder o emprego, portanto respondia apenas com evasivas às suas abordagens invasivas. Desde o dia em que me perguntou se eu não achava que o meu salário era muito alto para a minha pouca experiência, eu disse que nesse caso, ele teria que perguntar ao meu chefe imediato, pois ele seria o responsável. Achei provocativo pelo fato de que mal dava para pagar minhas contas; eu fazia horas extras o quanto pudesse para aumentar a renda no fim do mês. Nem falei da minha competência para não “criar um clima”, apesar de ter me sentido ofendido gratuitamente.
No encontro vi que depois de tanto tempo ele não perdera a classe: Destacou a minha barriga crescida, meus cabelos brancos e quis saber do que eu vivia. Ainda bem que não deu tempo de responder. A rua onde fica o colégio é um pouco íngreme, havia um carro parado em fila dupla e uma mulher num carro que vinha logo atrás sentiu-se mal ao volante batendo na traseira desse outro. Então ele correu até lá para dizer a ela que estava totalmente errada e só deu conta do estrago que fez (já não bastava os dos dois veículos) quando ela saiu e ia caindo desfalecida, tendo que ser amparada por ele nos braços. Ligamos para o resgate e nesse meio tempo soou a campainha da escola. Ainda bem que a minha filha veio rápido. Depois de vinte e cinco anos, o que eu imaginei que poderia ter sido um grande encontro de homens amadurecidos, se revelou numa infeliz coincidência.