O TAXI AMARELO Devo estar com a pressão arterial alterada, não sei se alta ou se é só uma alteração do imaginário e do encantamento de uma maneira de olhar e de sentir as coisas ao redor com interesse, curiosidade, medo, expectativa, ansiedade, inteligência viva, sei lá, há momentos mágicos em que a gente se sente um jovem de vinte anos, seja lá a idade cronológica que se tenha... hoje estou assim... E mais ainda, não consigo evitar contar já tal testemunho, pois eu interrompera o meu escrito, dado à fraqueza física que me assaltou e fui deitar na rede da varanda e almoçar logo, pois poderia ser falta de alimento. O que foi acertado fazer e logo me senti melhor. Enquanto comia na bandeja o meu pequeno almoço, eu evitava fazer movimentos para não assustar os múltiplos “selinhos de peito amarelo” que vinham bebericar água adoçada na garrafinha vermelha pendurada ali perto. Lindo e alegre, uma coisa... Tinha momentos de as cinco flores de lata coloridas estarem ocupadas ao mesmo tempo. Algo tão lindo, um encantamento. Divertido. A gente se derrete com tanta lindeza, em pleno centro do Rio de Janeiro. Acabei minha refeição, fiquei prolongando o descanso mais um pouquinho, tão bom estava. Ergo os olhos para o alto, onde passa uma rua subindo para Santa Tereza e vejo algo que já meio que percebera mexendo na ramagem das árvores da beira da rua, e vejo movimentos: um macaquinho pula da árvore para a fiação elétrica da rua, e vai por ali com maestria em equilíbrio perfeito até desaparecer atrás do casario. Abro a boca de incredulidade... Bem que Dona Sebastiana tinha mencionado que aqui tinha miquinhos e eu não dera crédito, pois por aqui tem mais concreto do que a pouca vegetação ao redor. Eu devia ter confiado nela, pois gente mais idosa nunca perde tempo de tecer fantasias e mentiras. Quando terminar esta crônica vou até dar uma repousada forçada para recuperar o ritmo normal de equilíbrio emocional. Acho que todo mundo conhece os micos que vivem na Mata Atlântica e, aqui no Rio, para quem mora em encostas dos morros ainda cobertos de mata, recebem muito estes pequenos visitantes, como no Cosme Velho e na Urca. É uma coisa linda, oposta à violência urbana cotidiana dos jornais cariocas. Há miquinhos ainda. Hoje eu tive o privilegio de vê-los, curti-los e me emocionar. Passou um mico com uma cauda peluda mais longa que seu corpinho! Se eu me encanto com passarinhos, imagina a alegria de ver um mico bem perto assim e dentro da cidade... Concreto urbano... Passou um segundo... Passou um terceiro, e o queixo caindo de encanto... Passou um quarto... Passou um quinto... E sumiu depois das casas da rua de cima... O encantamento mexeu comigo... Será que mereço tanta beleza num só dia? Mais um, agora devagar, o sexto, modese, grito! Observo, este é mais cauteloso, cada passinho é medido e seguro, m-o-d-e-s-e!!! Modese é corruptela de “meu deus”, coisinha bonitinha e queridinha demais. Este é mais volumoso e vejo um volume maior, uma cabecinha de bebê mico agarrado ao corpinho da mãe... É inacreditável, é um miquinho maternal com desvelos de mãe... O mundo para pra mim: é o abraço maternal segurando firme e passando todo o amor do mundo ao seu filhote, que é isso que ela pode dar e é o que ele quer; todo ser animal reconhece isto, até o animal racional também. E eu vim contar do taxi amarelo... No centro nervoso do Rio, em plena Av. Rio Branco, maior engarrafamento, eu desisto de atravessar a rua e ir à Livraria da Travessa do outro lado. Um taxi no meio fio para, e o rapaz pede ao vendedor de carrocinha de beira de rua um churro fresquinho e rapidamente é atendido. Antes que o motorista feche de novo a janela digo “olha, fiquei diabética de tanto comer isto”... Trânsito difícil desisto da livraria. Toc-toc, motorista vou com você mesmo... Entro. O motorista é um jovem de dentes branquinhos. Sorri. Leandro. Ofereço um dos brioches que acabara de comprar. Aceita, e me mostra um taxi amarelo. Como, se todos são amarelos! Mas aquele é amarelo por dentro, diz, é o referencial dele, todo mundo conhece. Olho, além de ser internamente amarelo é cheio de espelhos e milhares de bichinhos de pelúcia, alegre, um reino encantado. Aceno com os polegares levantados, rindo de tanta alegria. O motorista do taxi amarelo sorri o maior sorriso de realização. Que dia! MLuiza Martins (Republicado em 18/04/2010) |