Uma caneta
São as pequenas coisas que nos atraem, que nos chamam a atenção; da mesma forma que essas pequenas coisas nos fazem lembrar a todo instante que ainda é possível se descobrir o sabor da vida. Como reagiria uma flor se tivesse pensamentos, se meditasse na transitoriedade de sua existência?... Um pequeno pensamento sobre isso lhe roubaria talvez toda o prazer do dia. Mas quem sabe ela ficasse em silêncio na natureza, meditando e nos ensinando que cada instante é precioso e não pode passar desapercebido de nossas emoções.
Quisera eu ter olhos mais atentos como um pintor ou um poeta. Não caberia em mim a emoção de descrever sabiamente momentos do cotidiano. Refiro-me, especialmente, à vida fora da cidade. Veja, cada dia, no interior, é um aprendizado. E de onde se tira tanta sabedoria? De pequenos gestos, de ações até de crianças.
Ivo estava todo concretado no trabalho que nem se deu conta do que ocorreu no exato momento em que ele parou o ônibus escolar para um menino descer e a irmã deste subir. O motorista do transporte escolar em questão, é silencioso e seus olhos parecem cantar a melodia do prazer pelo que faz. Creio que ele estivesse a ouvir alguma canção secretamente e, assim, perdesse instantes da música da vida tocada por esses dois irmãos.
Não sou boa de poética, pois não lembro o tom dos olhos do menino, nem sei narrar dos sentidos da irmã deste, no momento em que ambos se encontraram na parada do ônibus. Quisera eu abarcar com minhas palavras as impressões que se passaram no íntimo dos dois naquele exato momento! Verdadeiramente, e com opinião pessoal, deve ter sido aquele um dos instante das possibilidades, dos sentidos. Muitas vezes cremos ao ver belos gestos de compromisso para com a Educação que ainda é possível se ter sonhos. Se dialogo, é porque a visão está tão viva em mim que me parece uma foto em minhas mãos. E o artista deve ter captado a riqueza de simples expressões, de breves olhares.
O menino, estudante do turno matutino, ao descer do ônibus, por volta do meio-dia, passou a caneta para a irmã.
Fiquei estática. E se não fosse a possibilidade de a cena ser motivo de constrangimento por parte da menina, eu teria chorado de emoção.
O que escrevo nasceu de uma imagem que está gravada aqui em minha mente. Em todos meus anos de escola, nunca o fato de se entregar uma caneta, trouxe-me tamanha pertubação psicológica como naquele breve instante. Realmente a vida está a cada momento apostando que somos sensíveis e que viver é um aprendizado, um espetáculo de se ver a sabedoria das crianças.
À frente de pequenas coisas, carregadas de expressão, algumas palavras deitam-se em silêncio. Nada falei na ocasião.