Beco do Conforto
Quando tinha meus 7 ou 8 anos, que já os tive como comprovei para os incrédulos até com foto, ia sempre à casa do Laercio.
Passava por um corredor de quintais, alguns metros de muro alto só ocasionalmente suplantados por galhos de árvores, estreito espaço para uma bicicleta e talvez dois corpos (humm!) e que por alguma estranha razão era chamado de “Beco do Conforto”. Esse tal beco se abria numa praça sobre a qual se debruçavam casas de cores sóbrias. Pelo ar, vozes e rostos de personagens que hoje teimam em se esconder em algum canto incerto da minha memória.
À minha pergunta sobre o significado de tão simpática designação, a resposta dos adultos era um sorriso enigmático e um misterioso silêncio. Beco do Conforto, por que? Uma pergunta que não se calou na minha curiosidade infantil até o momento em que, através de uma eficaz rede de informantes composta por moleques maiores e mais “bobagentos”, que é como se dizia na minha época, soube o significado. Hahã... Então era isso...
Hoje fala-se muito em sair da "zona de conforto” e, quando ouço ou leio isso, como agora, não posso deixar de rir. Uma e outra expressão, ligadas por um fio invisível nas minhas lembranças mas com significados totalmente distintos, são no mínimo etimologicamente primas (humm de novo).
Toda essa enrolação para chegar na mensagem: não é fácil sair do beco do conf... digo, da zona de conforto em que usualmente fincamos nossas raizes mais profundas e nos defendemos dos ataques das oportunidades disfarçadas em apreensões.
Sem querer deitar falação barata ou escrever dicas de auto-ajuda, apenas com o lombo pesado por 57 anos de tentativas: Se alguém se reconhece como parte da raça humana e não é, nem ocasionalmente, a pedra do beco que só se move se alguém a chuta ou a madeira que só muda de estado se alguém a pinta ou apodrece de mal-cuidada, precisa expandir essa área (fica melhor assim) de conforto, continuamente.
Garanto que não se trata de ser uma "metamorfose ambulante" como já disse o Raul Coelho ou o Paulo Seixas, mas não há outra forma de se tornar uma pessoa melhor.
Não ficar emparedado pelo medo; chegar à praça e daí ao mundo. Repetir, mas nem sempre. Inovar, achando o balanço entre prudência e coragem. Permitir-se ser chamado de bobo, mas pouquíssimas vezes. Respeitar, sem subserviência. Praticar a ética, apesar dos exemplos tortos e tantos. Melhorar um pouco que seja, a cada dia.
Ah, não espere que o "Você está indo bem" venha do tapinha nas costas. Ele virá só do espelho ou do travesseiro. Conforto mesmo só no beco aquele. E até desconfio que nem esteja mais lá...
Quando tinha meus 7 ou 8 anos, que já os tive como comprovei para os incrédulos até com foto, ia sempre à casa do Laercio.
Passava por um corredor de quintais, alguns metros de muro alto só ocasionalmente suplantados por galhos de árvores, estreito espaço para uma bicicleta e talvez dois corpos (humm!) e que por alguma estranha razão era chamado de “Beco do Conforto”. Esse tal beco se abria numa praça sobre a qual se debruçavam casas de cores sóbrias. Pelo ar, vozes e rostos de personagens que hoje teimam em se esconder em algum canto incerto da minha memória.
À minha pergunta sobre o significado de tão simpática designação, a resposta dos adultos era um sorriso enigmático e um misterioso silêncio. Beco do Conforto, por que? Uma pergunta que não se calou na minha curiosidade infantil até o momento em que, através de uma eficaz rede de informantes composta por moleques maiores e mais “bobagentos”, que é como se dizia na minha época, soube o significado. Hahã... Então era isso...
Hoje fala-se muito em sair da "zona de conforto” e, quando ouço ou leio isso, como agora, não posso deixar de rir. Uma e outra expressão, ligadas por um fio invisível nas minhas lembranças mas com significados totalmente distintos, são no mínimo etimologicamente primas (humm de novo).
Toda essa enrolação para chegar na mensagem: não é fácil sair do beco do conf... digo, da zona de conforto em que usualmente fincamos nossas raizes mais profundas e nos defendemos dos ataques das oportunidades disfarçadas em apreensões.
Sem querer deitar falação barata ou escrever dicas de auto-ajuda, apenas com o lombo pesado por 57 anos de tentativas: Se alguém se reconhece como parte da raça humana e não é, nem ocasionalmente, a pedra do beco que só se move se alguém a chuta ou a madeira que só muda de estado se alguém a pinta ou apodrece de mal-cuidada, precisa expandir essa área (fica melhor assim) de conforto, continuamente.
Garanto que não se trata de ser uma "metamorfose ambulante" como já disse o Raul Coelho ou o Paulo Seixas, mas não há outra forma de se tornar uma pessoa melhor.
Não ficar emparedado pelo medo; chegar à praça e daí ao mundo. Repetir, mas nem sempre. Inovar, achando o balanço entre prudência e coragem. Permitir-se ser chamado de bobo, mas pouquíssimas vezes. Respeitar, sem subserviência. Praticar a ética, apesar dos exemplos tortos e tantos. Melhorar um pouco que seja, a cada dia.
Ah, não espere que o "Você está indo bem" venha do tapinha nas costas. Ele virá só do espelho ou do travesseiro. Conforto mesmo só no beco aquele. E até desconfio que nem esteja mais lá...