Gosto da luz da manhã

Gosto assim, de sentar aqui, de ter uma poltrona e ficar assim, sentada toda errada, como minha mãe diria: “Para estragar o sofá!”. As pernas pulando do braço da poltrona, as costas mal aconchegadas do outro lado.

A janela acima da minha cabeça, um bailar de cortinas rosas, às vezes, quando se faz uma brecha no grande vidro transparente. E como é grande essa janela!

O Sol entra assim devagarinho e ilumina tudo.

O que mais gosto na luz da manhã, porque esta é doce, maternal e afaga, não é carrasca como a luz da tarde, ou mesmo do meio dia, que sol que queima nessa cidade!, enfim, gosto dela por ser assim, docemente faz brilhar as páginas dos livros. E o que mais gosto é ler pela manhã, bem cedinho.

Um livro velho, desses de mil e novecentos, as páginas amarelas que sabem se sacrificam, porque toda dose de luz que recebem, um tantinho se aproximam da morte, vão queimando devagarinho.

E quando me canso dessa poltrona ou as costas reclamam a dor da má postura, pulo para o sofá do lado, grande e azul. As pernas continuam largadas para cima, nos braços da primeira poltrona, mas agora o corpo tem mais liberdade, mais espaço e os raios do sol batem finalmente no meu rosto, e se evidenciam meus olhos cor-de-mel.

Leio então, os doces versos, Vinicius de Moraes, de 1976, como amo os livros do século passado.

Imagino agora que você poderia deitar no meu colo e ficar debaixo do livro, quem sabe dormindo, ia adorar alisar teu cabelo, enquanto recito frases cômicas.

Um sonho, de repente acordo para a realidade e volto aos versos, doces amáveis, que assassino na luz da manhã e sonho de novo em ser a Bem-Amanda.

Jule Santos
Enviado por Jule Santos em 19/08/2006
Reeditado em 27/08/2006
Código do texto: T220094