As Modernas "Indústrias" do Brasil (1) - A Indústria da Salvação

     De uns 40 anos para cá, alguns novos tipos de indústrias floresceram no Brasil de maneira quase avassaladora, mas nunca surpreendente, haja vista as nossas peculiaridades culturais e políticas, e a tendência globalizada de procurar respostas transcendentais às nossas angústias e incertezas religiosas. Ente elas, destaco a Indústria da Salvação, a Indústria da Invasão e a Indústria de Concursos. Nesta primeira crônica, vou tratar da Indústria da Salvação, a mais próspera de todas e a que mais cresce no país inteiro.
     Essa, pelo menos aqui, em São Luís do Maranhão, começou na década de 70, com as chamadas Casas das Bênçãos, onde “milagres” de curas impossíveis aconteciam sempre após a eloquente e trovejante oratória, recheada de inflamadas orações, de um certo “apóstolo” – geralmente elegantemente vestido e com uma voz de locutor de televisão. Após as “curas”, passava-se uma bandeira brasileira (ah, se Castro Alves ainda fosse vivo!...) onde os donativos para a “Obra de Deus” eram recolhidos. Estava descoberto o filão da venda de terrenos no Céu!  A partir daí, passaram a proliferar seitas, ditas evangélicas, com “pastores” especial e exaustivamente treinados para tomar o dinheiro dos incautos.
     Hoje já se faz de quase tudo nesses lugares: pedaços de madeira envelhecida são vendidos como pedaços remanescentes da cruz de Cristo; substâncias oleosas vendidas como restos do óleo que besuntou os cabelos de Jesus; frascos de água de torneira vendidos como frascos da água colhida no rio Ganges; pastores e secretários, todos de branco, exorcizando demônios dos corpos fingidamente convulsivos de cínicos atores e atrizes, formados pela Escola da Canalhice. Alguém já fez uma pesquisa e constatou que em certa "igreja" arrecada-se uma média de R$ 7.000,00 por "culto". Dez "cultos" por dia rendem R$ 70.000,00 e, nessa base, por mês, alcança-se uma cifra superior a dois milhões de reais. E isso é somente uma projeção do que se extorque do incauto assistente na hora dos "cultos", pois,  como é extremamente fértil a imaginação dos estelionatários espirituais para criar fórmulas de arrancar mais dinheiro das suas "ovelhas", são muitas as fontes de renda fácil: vendas de amuletos e orações milagrosas, campanhas para acelerar o caminho para o céu, saúde ou prosperidade -  geralmente alavancadas por um grande aparato publicitário e sempre, é claro, sob a égide do surrado slogan " Quanto mais você dá para Jesus, mais você recebe" - e outros expedientes escusos. O golpe rende tanto que o dinheiro arrecadado compra canais de TV, rádios e jornais, o que já permite uma nefasta influência nas mídias - pois o dinheiro sempre escancara muitas portas -   e abrir filiais no exterior.
     O que é pior, meu nobre leitor, minha nobre leitora, é que se torna quase impossível convencer um pobre coitado - que está deixando o seu dinheirinho suado nas mãos desses espertalhões – de que é vítima de um deslavado estelionato espiritual. Cego e surdo emocionalmente, pela lavagem cerebral que lhe aplicam diariamente, através da sistemática cantilena bíblica, torna-se seguidor fanático das regras convencionadas pela instituição, supostamente religiosa, para recuperar a sua saúde, melhorar de vida ou salvar a sua alma, uma das quais jamais poderá ser violada: todos os dias tem que contribuir para aumentar a conta bancária do filho do Homem. Quem lhe disser a verdade, isto é, que está sendo criminosamente usado por calhordas que lhe sugam o minguado dinheirinho será tratado, com certeza, como um enviado de Satanás, pretendendo tão somente desviar-lhe do bom caminho -  ele, uma ovelha fiel do rebanho do Senhor.
     Relata um amigo meu – um dos grandes cronistas daqui do Recanto das Letras – que a audácia desses sujeitos não tem limites, pois atualmente alguns têm a coragem e desfaçatez de exibirem crachás em que se inscrevem coisas, tipo "Autorizado por Deus", "Secretário de Deus", etc.
     E isso me lembra uma piada. Um doido, internado num hospital psiquiátrico, foi chamado para uma conversa com o seu médico, que lhe perguntou:
     - Meu amigo, como é o seu nome?
     - Napoleão Bonaparte - respondeu, estufando o peito.
     - Hum... Mas quem foi que lhe disse que você é Napoleão Banaparte?
     - Foi Deus - respondeu o louco, solenemente.
     Nesse momento, um outro doido, que passava pelo local e  que acabara de ouvir a conversa, gritou:
     - É mentira, doutor, é mentira! Eu nunca falei com esse sujeito!
     E, então, trazendo essa história para o caso dos "autorizados por Deus", e trocando o personagem louco por um personagem mais cínico e mais cara de pau que os portadores de crachás divinos, ele poderá protestar indignado ao vê-los usando tais crachás:
     - Cabras safados, vou processá-los pelo uso indevido do meu nome!
     Até quando, Catilina?


Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 16/04/2010
Reeditado em 03/06/2010
Código do texto: T2200167
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