LINGUAGENS

Durante um tempo eu morei no centro da cidade. Belo Horizonte oferece aluguéis baratos na região central por possuir prédios sem garagens e apartamentos pequenos. Coisas para gente só ou sem muito dinheiro. Essa última qualidade acaba atraindo muitos estudantes que vêm para capital formar as famigeradas repúblicas estudantis. Ali, ninguém é só, mas quase sempre gente de pouco dinheiro. Tudo fica mais em conta, exceto o ruído e o tumulto. Também, nem tudo é perfeito, não é mesmo?

Na época em que os cinemas ainda não eram igrejas e nem nos shoppings, eu morava bem próximo ao cine Palladium, um cinema mais voltado para filmes de bang-bang e erotismos vulgares. Durante o dia, o seu hall era repleto de pessoas de uma comunidade: os surdos-mudos, que ali se comunicavam freneticamente, numa agitação parecida com uma feira de aflitos. E muita gente ia para lá aprender ou para ensinar a linguagem de sinais. Eu era um desses aprendizes. Quando não tinha o que fazer, ficava ali observando e tentando estabelecer um diálogo de surdos. Aprendi um pouquinho, muito pouquinho. Não havia assiduidade de minha parte.

Se tivesse aprendido tudo, pode ser que eu não ficasse hoje imaginando coisas que talvez tenham sido, talvez não. Por exemplo: outro dia eu estava parado à porta de um restaurante lá perto da escola de minha filha esperando por ela. Chegou um mudo e abriu a mão em minha direção e nela havia duas moedas. Acho que ele queria mais. O gesto que ele fez, eu entendi que era para inteirar o dinheiro para que pudesse almoçar. Eu respondi que não tinha. Fiz um gesto dizendo que eu poderia lhe pagar um almoço com o cartão. Não sei se não me fiz entender ou ele não tinha a intenção de almoçar naquele lugar. Aí a minha dúvida já aumentou. Nem sabia mais se o dinheiro era para o almoço. E gestos para lá, gestos para cá, ele abanava o dedo negativamente e me fazia aqueles movimentos de halterofilista quando se prepara para levantar um peso e a comunicação não se estabeleceu. Notei que ele ficou me olhando de cima abaixo enquanto fazia seus sinais e com um risinho meio irônico de canto de boca. Depois fomos cada um pro seu lado. E eu saí cabreiro e aborrecido quando fui resolvendo o enigma (suponho): e entendi bem depois. Ele quis dizer que eu já estava bastante gordo e não precisava almoçar. Ele sim.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 16/04/2010
Código do texto: T2199929
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