Seria ótimo se os professores pudessem conhecer a história de vida de seus alunos
Conversando com os amigos a respeito da interação na sala de aula e da importância do professor conhecer a história de vida de seu aluno, sem querer me recordei de um fato passado que já nem me lembrava mais.
Eu cursava a antiga 5ª série do primeiro grau na época.
A professora de português pediu à classe que fizesse uma redação que iria valer pontos e ajudaria na nota.
Fiquei entusiasmada. Se eu ganhasse aqueles pontos atingiria pela primeira vez a nota máxima naquela disciplina.
Depois de voltar da escola e fazer minhas obrigações costumeiras eu me debrucei com afinco nesse desafio.
Eram mais ou menos umas cinco horas da tarde quando comecei a rabiscar as primeiras linhas. Escrevia e apagava. Quando o papel rasurava, eu o rasgava e jogava fora. Estava decidida a fazer o melhor para conseguir os preciosos pontos.
Quase oito horas da noite tive que abandonar temporariamente a empreitada, pois a minha mãe havia perdido a paciência e o jantar estava praticamente frio.
Ela não ousou reclamar ao ver-me engolir a comida às pressas e correr para a velha mesa de madeira. Tantas mães se lamentavam pelos filhos que não gostavam de estudar e seria absurdo brigar com uma filha que estava estudando demais.
Umas dez horas da noite eu consegui concluir a minha redação. Após várias tentativas o texto finalmente passou pelo meu sinal verde de aprovação.
No dia seguinte entreguei a redação bastante confiante. Tinha certeza que o meu texto ganharia os pontos e eu conquistaria minha primeira nota máxima.
Tive que engolir a ansiedade por três dias até a hora da entrega das redações.
No dia marcado não preciso dizer o quanto estava ansiosa.
A professora ficou no centro da sala e chamou os alunos um a um para devolver a redação feita. Fiquei aguardando. Fui a última a ser chamada.
Diferente dos outros alunos, a professora me olhou com desconfiança e falou em voz alta para todos ouvirem:
- Você não fez essa redação! Alguém da sua família escreveu! Ela não tem nenhum erro!
Entre o espanto e a mágoa eu ainda tentei me defender jurando que eu era sim a autora daquela redação sem nenhum erro.
A professora me encarou incrédula e eu peguei de volta a minha redação, limpa e sem qualquer correção.
Era a única da sala com um texto perfeito demais. Todos os outros possuíam algumas anotações ou algumas sugestões.
Se a professora soubesse a história da minha vida, entenderia que um pai falecido, uma mãe analfabeta e os dois únicos irmãos maiores que poderiam ajudar (uma havia abandonado a escola na mesma série que eu cursava e o outro trabalhava o dia inteiro e estudava a noite, sem tempo para fazer os próprios deveres escolares) não tinham condições de elaborar aquela redação.
Na época eu tive raiva e me revoltei comigo mesma e com a professora. Afinal de contas, nem eu sabia que havia feito uma redação isenta de erros.
Hoje, relembrando esse fato eu tenho consciência da falta de culpa da professora. Ela não conhecia a minha história de vida. Como conhecer a história de vida de mais de quarenta alunos?
Sabemos da situação precária que permeia a vida do professor. Era há muitos anos atrás e infelizmente continua sendo.
Mesmo com inúmeras tentativas de se priorizar a educação, de valorizar os professores, milhares deles ainda recebem salários irrisórios e lecionam em ambientes precários.
Milhares de professores com mais de quarenta alunos na sala de aula. Tendo que ter tripla jornada de trabalho a fim de conseguir dinheiro suficiente para uma vida digna.
Terminamos a nossa conversa concluindo que a teoria é bela, mas a prática está longe de ser concretizada. Culpar professores é fácil, como também é fácil culpar alunos.
Porque querer colher maças em matos rasteiros?