Café pretexto

Aquele que acompanha o blog sabe das minhas trocas de Cafés. E é sabedor do meu retorno para um determinado estabelecimento que tanto desgosto. De qualquer forma, este início de texto é aviso ao leitor que fez simples, primeira, e, não se sabe, única visita.

Gosto de Marketing, e isto já se evidenciou em alguns textos em que tratei a questão do atendimento ao público. Para quem me conhece, sabe que meu gosto pelo assunto em questão se evidencia de várias formas.

A dona daquele Café jamais me pedirá dica alguma que fosse para melhorar sua loja, quem sabe evitar equívocos que observo. Mas, acaso me fosse possível deitar a dica, diria a ela que se ausentasse da linha de frente do atendimento.

O senhor já de idade acusou de propaganda enganosa determinado anúncio do Café. A proprietária do estabelecimento, loira pequena em ótima forma física, abandou o atendimento que me fazia para partir em direção ao senhor reclamante. Não lhe disse desaforo algum, apenas ensinou severamente que havia certa condição para obtenção do desconto avisado pela placa, esta que jamais notei. O simples senhor abandonou o local antes mesmo da total aproximação da jovem empresária. E, evidentemente, todos assistiram àquela cena violenta, em certa medida, entre cliente e comerciante.

Ela voltou para o caixa, avisando aos funcionários de que não deixassem “desaforos” sem respostas. Esqueceu-se que os seus assalariados a temem de tal modo que palavras professadas melhor que sejam de elogios ou carinho inventado a ela, pois sabem da estrita vigilância..

Assim que tomou posse novamente do seu trono, fez a reclamação do cliente. Eu coloquei que se tratava de um senhor de idade e que as pessoas, parte delas, possuem certa dificuldade de interpretação de certas leituras. Não me recordo de sua resposta. Sei que não me deu ouvidos. O direito dela de discordar foi preservado. De qualquer modo, não era caso algum para debate.

Sejamos honestos. Se ali, enquanto pagava o que consumi, considerava seu atendimento ruim, bem como desagradável a sua pessoa, eu, de minha parte, merecia um PROCON contra mim, em termos de simpatia. Na rápida conversa que tivemos houve dose recíproca de desprezo. Neste ínterim, descobrimos nossas formações universitárias a partir de indagações feitas por ela. Não caia o leitor na inocência de que dela houvesse interesse por minha pessoa. E o fato de não haver indagação alguma de minha parte, não significa que não desejasse pistas a seu respeito. Acaso o leitor aposte em algum interesse sexual meu, incorre em novo equívoco. Do pouco que observara a respeito da sua relação com seus funcionários, eu já depositava ali um único interesse: o literário.

Surpreendeu-se ao saber que também sou jornalista. Desejou saber por que eu não atuava em algum veículo, sem obter grandes explicações a respeito. Avisou-me que escreve para determinada revista. Senti prazer em dizer que desconhecia tal veículo ao ser indagado, como se a fama fosse sinal sincero de qualidade jornalística de qualquer publicação que seja. E em seguida anunciou sua prestação de serviços para determinado político, o prefeito da cidade. Foi quando perdi a piada, conforme me avisou colega de trabalho ao ouvir minha narrativa sobre o fato. Ocorre que o político para o qual ela presta serviços, certa vez partiu para cima de um senhor aposentado, botando-o para correr com o uso de determinado adjetivo. O colega ouvinte riu-se e afirmou que ela aprendera com o patrão. Perfeita analogia.

Paguei a conta e despedida afetiva fiz apenas para os funcionários. Calculei que não deveria deixar meu dinheiro em estabelecimento de propriedade de pessoa assim. Mas pensei depois que se assim o fizesse perderia histórias e campo de análise.

Desagradou-me, por exemplo, quando ao balcão com sua nova contratada, ouvi o aviso de que ela devia vender, não conversar. Como cliente, senti-me desrespeitado. Era como se dissesse à ingressante em sua empresa que não deveria perder tempo com o cliente. Equivocava-se, pois o que a funcionária fazia com certa habilidade era cativar o cliente. Portanto, tolia a criatividade da jovem, o que poderá resultar em queda de rendimento da trabalhadora. O outro equívoco era com o cliente, em termos de fino trato.

Alguns dias depois, voltei ao Café. Sim, havia um pretexto que não era só literário, mas que nada tinha a ver com a patroa. Em verdade, desejei que não ela estivesse por lá. De modo que, ao avistar ao longe o que de fato me interessava no interior da loja, fiz silenciosa comemoração.

Ao me aproximar ao balcão, cumprimentar esse ou aquele atendente, observei neles alguma apreensão. A única que me é bela ali, cumprimentou-me com um “oi amigo”. Seu belo rosto estava carregado de medo, que nada tinha a ver comigo. Não demorou, ouvi a voz da jovem patroa, ao fazer o aviso à equipe sua da necessidade de determinado ato para o recebimento das horas-extras. E logo emendou que havia funcionário demais na loja, posto que era troca de turno. A turma da parte da manhã deveria se ausentar, ficou claro. Concordei com a patroa naquilo que ela disse. Mas o que me parecia ocorrer ali era uma opressão sobre seus funcionários, cuja pista era dada pelo medo que gritava nos olhares de cada um deles, defensores de pequeno salário.

Um dos clientes presente, este que escreve, imediatamente ficou contrariado com a presença da dona no local. Depreendi que o atendimento hoje não seria a meu gosto. Além disso, o verdadeiro fator de minha outra visita ali, pretexto maior, estava ocupada demais com o medo da opressão patronal.

Minha presença foi rápida. O atendente esqueceu-se de minha predileção por café-curto. Acho que posso tê-lo prejudicado ao lembrá-lo disto. Calculei que pudesse ser repreendido posteriormente. Mas quanto a isto, posso estar absolutamente equivocado. Desta vez, o que observei foi apenas uma dinâmica naquele Café. E não que eu tenha feito a escolha do tema. Como sempre, os fatos surgem de modo independente. Sou simples servo e observador.

Alguns membros da equipe, sobretudo as mulheres, preocupavam-se em dizer o que fosse à patroa. Era como se buscassem a alforria da opressão psicológica que eles viviam. Percebi nítida invenção de afetividade, bem como irreal interesse em colaborar na resolução de inúmeras questões referentes à loja. Aliás, essa necessidade de fingimento de colaboração deu-me impressão de que fosse fruto das palestras da patroa. Mas isto é apenas desconfiança, que pode devidamente ser verificada. O que me interessa aqui é o que vi e senti por meio da observação. No caso, a simpatia inventada da equipe amedrontada.

Passaram-se alguns dias e eu voltei lá para almoçar. Mas já tinha meu almoço comigo, utilizei apenas a estrutura da loja. Eu me informara com a jovem dona do estabelecimento a respeito desta possibilidade. Conversei com os atendentes rapidamente. Sim, estava lá a jovem opressora, bem como aquele que me parece ser seu marido, algo assim. E vi que ela se ocupava com um homem maduro de aparência sombria. Uma reunião ali no Café. Carregava comigo certas desconfianças a respeito disto. Sorvi uma xícara cafeínada. E não me recordo se meu pretexto maior estava por lá, linda e sorridente. Com medo ou não. Depois disto, as circunstâncias me afastaram da estação do metrô onde eu cumpria horas remuneradas. Faz dias que não apareço. Vez em quando, meu pretexto visita minhas lembranças, como que me convidando para um café...