Sobre Armando Nogueira
Me deram de presente um livro falando de futebol.
Mas, com tanta coisa para ler, fui adiando a sua leitura, embora de olho nele.
No momento, divirto-me lendo Padre Cícero - Poder, Fé e Guerra no Sertão, do cearense Lira Neto; Matar Para Não Morrer, de Mary Del Priore; e quando a madrugada se aproxima, Um Homem Chamado Jesus, do dominicano Frei Bettto.
Não sei como, mas vou conseguindo caminhar, sem tropeços, por entre as páginas, todas muito atraentes, desses três livros bastante diferentes no seu conteúdo.
Não é uma tarefa fácil porque eles prendem, e muito, a atenção do leitor; até me vejo com alguma dificuldade para sair de um e entrar no outro, sem estabelecer confusão.
Ligeiras apreciações a respeito, e nada mais do que isso.
A biografia do padim Ciço, na versão que lhe dá o belo escritor Lira Neto, é simplesmente encantadora.
Cada capítulo, recheado de boas surpresas, obriga o leitor a acompanhar, sem hesitações, os passos do querido cura cearense, que um dia será santo.
Para que aconteça, volto a dizer, basta que as autoridades do Vaticano atentem para os apelos que lhes estão sendo feitos pelos bispos brasileiros, aconselhando o início do processo de beatificação do milagroso sacerdote cabeça-chata.
Se o Vaticano achar que o apelo dos prelados é pouco, que ouça os milhares de devotos do Padim.
Diariamente eles chegam ao Juazeiro do Norte para agradecer ao Céu as graças alcançadas, com a decisiva ajuda do polêmico cura do Cariri.
Afinal, Vox populi, vox Dei.
E Dilermando de Assis, diante do Smith and Wesson de Euclides da Cunha, perguntou:
"Que é isso, doutor?"
Em Matar Para Não Morrer, Mary Del Priore, usando um português ao alcance de qualquer pessoa, conta como aconteceu o assassinato de Euclides da Cunha, na primeira década do Século XX, no Rio de Janeiro.
O triângulo amoroso que resultou na morte do escritor é descrito de maneira sincera e precisa pela escritora, confirmando a tese de que Dilermando matou Euclides em legítima defesa.
Tese sustentada brilhantemente pelo seu advogado, Evaristo de Moraes, que consegiu, contra tudo e contra todos, absolvê-lo, nos dois júris aos quais ele se submeteu.
O livro faz um minucioso relato da traição de Ana Emília Cunha, que, apaixonada por Dilermado, aplicou um par de chifres na testa do consagrado autor de Os Sertões. Situação contra a qual Euclides se insurgiu até morrer.
Dona Saninha, dezesseis anos mais velha do que seu amante, deixou, com sua ternura, Dilermando enlouquecido.
Obrigou-o a fazer fartas e constantes declarações de amor, como mostra Mary, no seu interessantíssimo livro, transcrevendo trechos de mensagens trocadas pelos dois, antes, durante e depois da tragédia.
O livro confirma a difícil personalidade de Euclides, que até os filhos chamou de "pragas". E com Saninha protagonizou "constantes atritos conjugais".
Segundo Del Priore, "Não há registros da falta que sentia um do outro".
A uma amiga, Ana Emília confessou que Dilermando "lhe dispensava sempre atenções, afetos e carinhos que não encontrava em seu marido, o qual só vivia para os livros".
O que Euclides poderia esperar de sua consorte (arre!) senão um par de chifres?
Mesmo que na época em que tudo aconteceu, a mulher fosse considerada o "Anjo tutelar da família".
Mas foi a morte de um grande jornalista que me fez procurar o livro sobre futebol - Donos da Bola - que, como disse, recebera de presente da minha nora Lia.
Refiro-me a Armando Nogueira, um acreano de Xapuri que, durante décadas, levou, com suas páginas rigorosamente bem-escritas, sensatas e às vezes românticas, alegria e glória ao jornalismo brasileiro.
Dava gosto ler seus textos, nos últimos tempos dedicados ao esporte.
A imprensa brasileira, tanto a falada como a escrita, tem lhe dispensado justa atenção, mostrando - uma lição para os novos jornalistas - como se faz um jornalismo sadio, culto e criterioso.
Prestei-lhe minha homenagem relendo, logo após sua morte, O Canto dos Meus Amores, um extraordinário livro de crônicas de sua autoria, falando de futebol, de vólei, de basquete, corrida de carro, vólei de praia, de Olimpíadas, etc., etc.
Vou transcrever, para quem não a conhece, trecho de sua crônica escrita para as duas duplas de brasileiras de vólei de praia.
Vendo-as no pódio, diz ele, "comecei a cantarolar Tom e Vinícius na "Garota de Ipanema" . E continuou: "Tive, então, um surto de irreverência que acabaria numa versão olímpica da bela canção.
Com licença de Tom e Vinícius:
Olha que jogo mais lindo/ Mais cheio de graça/ É uma que corta/ É outra que passa/ Mostrando na praia a beleza da raça/ Moças que fazem da praia / Seu doce reinado/ Um lado é de outro/ O outro é de prata/ É a coisa mais linda que já vi jogar/
Ah, é o Brasil que se irmana/ Jackie, Sandra, Mônica, Adriana / Elas fazel do vólei um balé/ Glórias à nossa mulher/
Ah, se elas soubessem/ que quando elas jogam/ a pátria inteirinha/ cantando em coro/ palude suas gatas/ Medalhas de outro/ Medalhas de prata."
Pois é. Ligo o Canto dos Meus amores a Donos da Bola e digo por quê.
Donos da Bola reúne crônicas escritas por mestres da literatura pátria como Carlos Drummond, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Lima Barreto, Luis Fernando Veríssimo, e Vinícius de Moraes.
Crônicas de Chico Buarque, Jorge Ben Jor, Nelson Mota e mais outros cronistas de bons textos.
Em todas essa crônicas há o lirismo e a doçura que alimentavam as crônidas esportivas do Armando.
E já que nesta crônica proponho-me a homenageá-lo, permita-me o leitor mais uma transcrição.
No dia 21 de janeiro de 1996, no Jornal do Brasil, Armando Nogueira escreveu sobre as chuteiras do Didi, sob o título: As chuteiras de um mestre.
E, lá pras tantas, escreveu: "Didi me contou uma história bonita que começa na final da Copa de 58. O campo pesado deixou muito barro grudado na sola das dchuteiras dele.
Decidiu guardá-las assim mesmo, enlameadas.
Para ele, as crianças tinham virado troféu. Eram intocáveis. Enfiou-as num saco plástico e enfurnou no canto do armário. Dias depois, deu saudade, foi revê-las.
Numa delas havia um pequeno tufo de grama nascida, certamente, à luz de uma terna amizade."
Antes do ponto final, Armando pergunta àqueles que chamou de "craques de hoje": "...quantas vezes lustrastes, com as próprias mãos, tuas chuteiras? Quantas vezes, no vestiário deserto, te permitiste um olhar fraterno sobre elas. Elas que dão tanta glória a teus pés?"
Vale pelo significado profundo e profissional da observação.
A Copa do Mundo está chegando.
Os "craques de hoje" (nada contra) coloquem seus brinquinhos nas orelhas, mas não esqueçam de suas chuteiras, e do que elas representam para o atleta.
Mais do que esses peduricalhos auriculares, elas, como lembrou o imortal Armando Nogueira, dão glória aos pés dos bons e verdadeiros jogadores.
Me deram de presente um livro falando de futebol.
Mas, com tanta coisa para ler, fui adiando a sua leitura, embora de olho nele.
No momento, divirto-me lendo Padre Cícero - Poder, Fé e Guerra no Sertão, do cearense Lira Neto; Matar Para Não Morrer, de Mary Del Priore; e quando a madrugada se aproxima, Um Homem Chamado Jesus, do dominicano Frei Bettto.
Não sei como, mas vou conseguindo caminhar, sem tropeços, por entre as páginas, todas muito atraentes, desses três livros bastante diferentes no seu conteúdo.
Não é uma tarefa fácil porque eles prendem, e muito, a atenção do leitor; até me vejo com alguma dificuldade para sair de um e entrar no outro, sem estabelecer confusão.
Ligeiras apreciações a respeito, e nada mais do que isso.
A biografia do padim Ciço, na versão que lhe dá o belo escritor Lira Neto, é simplesmente encantadora.
Cada capítulo, recheado de boas surpresas, obriga o leitor a acompanhar, sem hesitações, os passos do querido cura cearense, que um dia será santo.
Para que aconteça, volto a dizer, basta que as autoridades do Vaticano atentem para os apelos que lhes estão sendo feitos pelos bispos brasileiros, aconselhando o início do processo de beatificação do milagroso sacerdote cabeça-chata.
Se o Vaticano achar que o apelo dos prelados é pouco, que ouça os milhares de devotos do Padim.
Diariamente eles chegam ao Juazeiro do Norte para agradecer ao Céu as graças alcançadas, com a decisiva ajuda do polêmico cura do Cariri.
Afinal, Vox populi, vox Dei.
E Dilermando de Assis, diante do Smith and Wesson de Euclides da Cunha, perguntou:
"Que é isso, doutor?"
Em Matar Para Não Morrer, Mary Del Priore, usando um português ao alcance de qualquer pessoa, conta como aconteceu o assassinato de Euclides da Cunha, na primeira década do Século XX, no Rio de Janeiro.
O triângulo amoroso que resultou na morte do escritor é descrito de maneira sincera e precisa pela escritora, confirmando a tese de que Dilermando matou Euclides em legítima defesa.
Tese sustentada brilhantemente pelo seu advogado, Evaristo de Moraes, que consegiu, contra tudo e contra todos, absolvê-lo, nos dois júris aos quais ele se submeteu.
O livro faz um minucioso relato da traição de Ana Emília Cunha, que, apaixonada por Dilermado, aplicou um par de chifres na testa do consagrado autor de Os Sertões. Situação contra a qual Euclides se insurgiu até morrer.
Dona Saninha, dezesseis anos mais velha do que seu amante, deixou, com sua ternura, Dilermando enlouquecido.
Obrigou-o a fazer fartas e constantes declarações de amor, como mostra Mary, no seu interessantíssimo livro, transcrevendo trechos de mensagens trocadas pelos dois, antes, durante e depois da tragédia.
O livro confirma a difícil personalidade de Euclides, que até os filhos chamou de "pragas". E com Saninha protagonizou "constantes atritos conjugais".
Segundo Del Priore, "Não há registros da falta que sentia um do outro".
A uma amiga, Ana Emília confessou que Dilermando "lhe dispensava sempre atenções, afetos e carinhos que não encontrava em seu marido, o qual só vivia para os livros".
O que Euclides poderia esperar de sua consorte (arre!) senão um par de chifres?
Mesmo que na época em que tudo aconteceu, a mulher fosse considerada o "Anjo tutelar da família".
Mas foi a morte de um grande jornalista que me fez procurar o livro sobre futebol - Donos da Bola - que, como disse, recebera de presente da minha nora Lia.
Refiro-me a Armando Nogueira, um acreano de Xapuri que, durante décadas, levou, com suas páginas rigorosamente bem-escritas, sensatas e às vezes românticas, alegria e glória ao jornalismo brasileiro.
Dava gosto ler seus textos, nos últimos tempos dedicados ao esporte.
A imprensa brasileira, tanto a falada como a escrita, tem lhe dispensado justa atenção, mostrando - uma lição para os novos jornalistas - como se faz um jornalismo sadio, culto e criterioso.
Prestei-lhe minha homenagem relendo, logo após sua morte, O Canto dos Meus Amores, um extraordinário livro de crônicas de sua autoria, falando de futebol, de vólei, de basquete, corrida de carro, vólei de praia, de Olimpíadas, etc., etc.
Vou transcrever, para quem não a conhece, trecho de sua crônica escrita para as duas duplas de brasileiras de vólei de praia.
Vendo-as no pódio, diz ele, "comecei a cantarolar Tom e Vinícius na "Garota de Ipanema" . E continuou: "Tive, então, um surto de irreverência que acabaria numa versão olímpica da bela canção.
Com licença de Tom e Vinícius:
Olha que jogo mais lindo/ Mais cheio de graça/ É uma que corta/ É outra que passa/ Mostrando na praia a beleza da raça/ Moças que fazem da praia / Seu doce reinado/ Um lado é de outro/ O outro é de prata/ É a coisa mais linda que já vi jogar/
Ah, é o Brasil que se irmana/ Jackie, Sandra, Mônica, Adriana / Elas fazel do vólei um balé/ Glórias à nossa mulher/
Ah, se elas soubessem/ que quando elas jogam/ a pátria inteirinha/ cantando em coro/ palude suas gatas/ Medalhas de outro/ Medalhas de prata."
Pois é. Ligo o Canto dos Meus amores a Donos da Bola e digo por quê.
Donos da Bola reúne crônicas escritas por mestres da literatura pátria como Carlos Drummond, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Lima Barreto, Luis Fernando Veríssimo, e Vinícius de Moraes.
Crônicas de Chico Buarque, Jorge Ben Jor, Nelson Mota e mais outros cronistas de bons textos.
Em todas essa crônicas há o lirismo e a doçura que alimentavam as crônidas esportivas do Armando.
E já que nesta crônica proponho-me a homenageá-lo, permita-me o leitor mais uma transcrição.
No dia 21 de janeiro de 1996, no Jornal do Brasil, Armando Nogueira escreveu sobre as chuteiras do Didi, sob o título: As chuteiras de um mestre.
E, lá pras tantas, escreveu: "Didi me contou uma história bonita que começa na final da Copa de 58. O campo pesado deixou muito barro grudado na sola das dchuteiras dele.
Decidiu guardá-las assim mesmo, enlameadas.
Para ele, as crianças tinham virado troféu. Eram intocáveis. Enfiou-as num saco plástico e enfurnou no canto do armário. Dias depois, deu saudade, foi revê-las.
Numa delas havia um pequeno tufo de grama nascida, certamente, à luz de uma terna amizade."
Antes do ponto final, Armando pergunta àqueles que chamou de "craques de hoje": "...quantas vezes lustrastes, com as próprias mãos, tuas chuteiras? Quantas vezes, no vestiário deserto, te permitiste um olhar fraterno sobre elas. Elas que dão tanta glória a teus pés?"
Vale pelo significado profundo e profissional da observação.
A Copa do Mundo está chegando.
Os "craques de hoje" (nada contra) coloquem seus brinquinhos nas orelhas, mas não esqueçam de suas chuteiras, e do que elas representam para o atleta.
Mais do que esses peduricalhos auriculares, elas, como lembrou o imortal Armando Nogueira, dão glória aos pés dos bons e verdadeiros jogadores.