O espaço do escritor amador na Internet
O espaço do escritor amador na Internet
"Como vai H?
Considero o que disse sobre o espaço para o escritor na Internet muito relevante.
Você mudou muito, desde nos conhecemos, H. - e, não tenho dúvidas que vem sendo para melhor, não importa o que se diga.
Mas, em relação à escrita, ao hábito da leitura, do qual decorre o espaço onde milita o escritor, pelo menos no Brasil, ele deveria ser bem mais significativo.
É consenso sobre o fato de que, no Brasil, nunca foi desenvolvida uma política séria de estímulo à leitura. Digam o que quiser, para mim, grande parte da responsabilidade deve ser credito ao sistema de ensino nacional - público ou privado.
E, em certa o medida, tal fato acontece pelo simples fato de que os organizadores do sistema de ensino e os professores, há muito tempo, abandonaram o hábito da leitura - uns, inclusive, adquiriram na graduação o mania insólita da leitura de apostilas - pedaços de textos de livros deixados pelos seus mestres na fotocopiadora da escola.
Mas, a importância e a influência dos escritores na vida dos povos e nações diminuiram muito, dos anos 50 do século passado para cá. E isso tem há ver com a infatilização do pensamento ocidental e, em boa medida, com a explosão de mídias populares - rádio, televisão e, agora, a Internet.
Já faz tempo, Norman Mailer falou disso, disse que já se foi o tempo em que a figura do escritor era venerada com alguém que mexia com corações e mentes, que influenciavam e moldavam individuos e nações.
No campo da poesia, vi uma entrevista do poeta José Inácio Vieira de Melo* na TV Senado, dias atrás, na qual ele falou de sua impressão que os poetas brasileiros, atualmente, andam escrevendo apenas para que outros colegas de ofício leiam, por absoluta falta de espaços institucionais de veiculação da poesia.
Quando você apresentou suas dúvidas sobre se a Internet é o lugar de militância do escritor, fiquei pensando um pouco e, cheguei à conclusão de que, pelo menos no Brasil, no momento, ainda não é o melhor lugar, não. Acontece que o fluxo de informação disponível conflui para www, daí...
Para mim - talvez seja saudosismo! - a figura do escritor está ligada a a uma mídia específica, isto é, o livro.
Evidentemente que a Internet amplia o acesso do leitor a informações sobre os autores e livros, permite adquirir os livros com comodidade, mas, não sei, a despeio da exposição permitida, na Internet, o escritor é um profissional que entra aparece para disputar espaço de divulgação dentro de um nicho que inclui outras categorias profissionais e o mundinho lamentável dos gossips, além de uma massa impressionante de textos informativos (sobre coisas que às coisas que, de tão bobas ou sem importância, nem mereciam divulgação!).
Na Internet brasileira, existem milhares de sites dedicados à cultura e a escrita, seja em prosa, seja em poesia. Mas, uma simples olhada no número de acessos, indica que, na Internet, o acesso a tais sites, está absolutamente distanciada do acesso a sites do que podemos chamar de entretenimento.
Mesmo nos grandes portais de informação que abrigam sites culturais, creio que não há indicativos de mudança, por um bom tempo.
A ausência da cultura da leitura e do livro, coincide também com o fato de que a Internet é uma mídia cujo conteúdo está intimamente associada à cultura da imagem.
Em relação aos usuários, o que dizer?
Sejamos francos. Boa parte das pessoas que acessam a Internet mais amiúde, estão lincadas em redes sociais de relacionamento e comunicação. E a autuação dos frequentadores, aí, em boa parte, está associada ao upload e download de imagens - em especial aquelas de caráter pessoal, vídeos, montages, coisas assim.
Isso pode até vir a mudar, mas o status quo é este - e quando mudar, será para algo que não tenho idéia do que seja...
Mas, ainda há quem goste de ler e, e cultuar a leitura e tudo o que se associa a ela - inclusive o prazer de estabeler correspondências e, discussões a respeito. Evidentemente que é um grupo reduzido e, que tem algum grau de cultura e discernimento - modéstia às favas, é o nosso caso.
E aqui entra em discussão uma questão interessante: a tal da terceira geração de internautas, que, dizem é caracterizada por uma atitude ativa em relação às possibilidades da Internet, disponibilizando conteúdo, em vez de apenas absorver o que está disponível.
Nesse sentido, o conteúdo que fazemos subir para o mundo virtual está muito além do que o que a maioria dos internautas disponibiliza. Em primeiro lugar, por que são coisas genuínas (e, suponho, com valor). Em segundo lugar, porque não se trata de nada parecido com o que chamo de "jornada diária em torno do próprio umbigo", mas algo relevante e que expressa uma visão de mundo e, inclusive, pode levar a alguém a questionamentos.
Mas, para nós, amadores e diletantes, entendo que a Internet é a melhor oportunidade que poderíamos ter para expor nossas inquietações e visões de mundo, pois ela nos dá exatamente aquilo que não tínhamos - espaço, mídia, velocidade.
Para mim, essa acessecibilidade é um grande estímulo.
O que temos que fazer, então, é aproveitar para escrever, melhorar e, expor o que escrevemos.
Mas, sei que em sua mente - assim como na minha, está aquele acalentado sonho de fazer coisas relevantes, escrever cada ver melhor e de forma acessível, para um dia em algum ponto do futuro, reunir os escritos num livro, com capa, ilustração, orelhas, páginas numeradas e aquele cheirinho gostoso de tinta.
E, não poderia ser diferente, né? Somos daqueles que cresceram abrindo os livros, em busca de viagens, reflexões e cultura.
Arrematando o assunto: se a questão fosse só o número de eleitores, muitos amadores que postam textos na Internet poderiam ser considerados casos de induvidável sucesso, pelo se vê dos contadores de visitas. Tem gente com 20.000, 100.000 e até 200.000 delas - o que demonstra o carinho, o respeito e a admiração de que gozam.
Mas, será que e consideriam de fato escritores, poetas, articulistas, cronistas ou poetas sem a publicação e o legado de um livro de papel?
Esse negócio de audio-livro, eu nunca experimentei. De repente... Alguém me falou que a sobrevivência do livro está associada ao formato em áudio - e até existe espaço para esse formato disponibilizado para o escritor amador na Internet, também. Mas, não sei.
Para ler um livro, você tem que ficar paralisado em alguma posição, concentrar a visão num determinado campo e, se concentrar, para deixar fluir a informação para a mente. Acho que a paralisação e a concentração são parte do charme e do sucesso do velho livro, em termos de absorção de conhecimento.
A diferença entre ler e "ouvir" um livro parece ser mais ou menos a diferença entre ir ao cinema para ver o filme numa sala escura e, assistir o mesmo filme em casa, com toda a interferência do ambiente ao redor, ou enquanto executa alguma outra atividade.
Muito saudosismo de minha parte?
Grato e abraço, H."
* Quer conhecer o trabalho do poeta JIVM? Então, entre no link abaixo:
http://jivmcavaleirodefogo.blogspot.com/search/label/POEMAS%20DE%20JIVM
E agora, uma composição de JIVM (licença aí, poeta!):
"JARDIM DAS ALGAROBEIRAS
Tenho estado em contato com a Natureza.
Neste lugar – Jardim das Algarobeiras –
tudo apela aos sentidos e tudo é Natureza.
Os pássaros cantam, e o seu vôo é mais que o canto;
a vaca muge, o cavalo relincha, a rã coaxa,
a cartilha estava certa; a cartilha só não
ensinou que o galo inaugura o dia,
e que as árvores (aqui, as algarobeiras,
mais que quaisquer outras – a não ser
aquele solitário pau-ferro) dançam,
dançam envolvidas por um louco dançarino.
Os pássaros cantam, mas é o vento
– o dançarino – que sussurra em seus ouvidos
juras de amor que somente quem corre mundo
pode dizer, e, naquele momento,
na eternidade da canção, tudo é verdade.
Mas além disso há algo mais forte:
os caminhos... O vento é andarilho errante
que se apaixona pela flor de agora
e daqui a pouco pela flor seguinte
e a outra e a outra e,
é aquele capaz de uma noite de volúpia
com quem lhe abrir o coração,
porém seu coração jamais pertencerá a alguém,
porque já nasceu possuído pela estrada.
Como bailam as algarobeiras,
como exibem suas cabeleiras frondosas
de um verde que não há como dizer.
A beleza é simples e é verde."