PEDALADAS
Acho que os dias que já vivi são mais do que os que faltam pra viver. A sensação é quase a mesma quando olho para o marcador de combustível e vejo que gastei mais da metade do tanque. Então, nada de dar voltinhas que levam a lugar nenhum. Com um olho no marcador e outro na estrada quero prestar mais atenção à vida comum e nas pessoas.
Como fazer isso bem feito ainda estou descobrindo. Comecei pela rotina do trajeto de casa para o trabalho, e vice-versa. Resolvi fazer o percurso de bicicleta. Porque? Bem, as razões óbvias são: é econômico, saudável, ecológico, e por ai vai. Entretanto, outros motivos pesaram mais que o óbvio. Uma: o acento atrás de um volante não é o que mais aprecio. Outra: A percepção de mim mesmo, passando pelas pessoas e elas passando por mim é doce. Sem vidros escuros vejo-as como sou visto.
Pedalando por um quarto de hora, sou acompanhado pelas inseparáveis linhas de trem que fendem nossa cidade. De manhã e ao entardecer, banhadas pelos raios do sol elas ganham cor de ouro, e à noite viram prata pela luz da lua. A brisa, nem sempre favorável, quando sopra traz com ela frescor e odores que dão tempero às pedaladas. Bicicleta, caminho, ciclista e brisa criam uma amizade. Conhecendo-se, ralhando as vezes um com outro, vão combinando-se e formando quase uma simbiose.
No estacionamento das bicicletas da empresa elas convivem pacificamente. Pacientemente sob sol ou chuva aguardam seus donos. Umas modernas e outras mais antigas, coloridas ou desbotadas, todas servem quem as usam como um jeans ou sapato velho que a gente não quer se desfazer.
Na ciclovia pedala-se com a sensação de estar num calçadão. Alem de outros ciclistas, divide-se o espaço com estudantes, trabalhadores, esportistas de plantão e até cães já acostumados com as rodas que passam. Mas dá pra conviver bem nesse microcosmo. O que não dá pra conviver bem é com a falta que a bicicleta está me fazendo desde que um desconhecido a levou da garagem de casa sem pedir, e ainda não devolveu.