Maria Rosa
Maria Rosa era uma dessa meninas comportadas, que recebeu boa educação. Residia em um distrito de uma cidade com menos de 30 mil habitantes. Era bonita, tinha um brilho muito especial e uma bondade que chegava quase à abnegação de seus próprios desejos. Foi interna em colégio religioso e de lá saiu diplomada professora. Na juventude, costumava participar dos bailes do Centro Clube da Cidade, não sem antes, com suas irmãs, viajar para Porto Alegre de Modelo A, um carro da época, alugado por seu pai Anastácio. O motorista era o Pai Demétrio, uma espécie de pai, irmão-com-sangue-distinto e amigo, criado por sua família desde a infância.
Elas viajavam para “se ajeitarem” nos Salões Rosa Morgado ou Frineé e fazerem um gostoso lanche na Confeitaria Rocco, conduzidas por Pai Demétrio. Tudo muito interessante para a época, se não fosse o puro desconhecimento de uma cidade grande, a ponto de olharem, sem perceber, as mesmas vitrines, uma vez que faziam sempre o quadrado: Rua da Praia – Dr. Flores – Otávio Rocha – Vigário José Inácio. Tudo era festa.
Numa dessas idas, sua irmã mais velha portava um broche de ouro no qual estava escrito “Mathilde”, herdado de sua avó materna (de mesmo nome). Um belo moço aproximou-se e disse: “Olá Mathilde, tudo bem contigo?” Ela, furiosa, respondeu: “Como sabes o meu nome se eu não te conheço?”
Mais um evento estava por vir e elas saiam produzidíssimas com o penteado “ferradura” totalmente inerte em meio a muito verniz.
Num desses bailes, Maria Rosa arrasou com um vestido meia perna rosa bebê, com a saia plissada e contornos de rena “guipir” ao redor do grande decote.
Por ser um bom modelo de moça, nunca “fez crochê” nos bailes e sempre era assediada pelos moços da sociedade. Sua primeira paixão foi proibida por seu pai, pois o moço não tinha posses. Ela, pacientemente, aceitou.
Depois, vieram outros e outros, até que em um Carnaval (daqueles em que os lança-perfumes ainda faziam parte da festa) ela foi “oferecida” por seu cunhado na seguinte aposta proposta por seu futuro marido: “se ela ficar comigo eu te dou um corte de casemira”. O casamento foi realizado e, o corte de casemira, nunca pago.
Para Maria Rosa, tudo aquilo era normal. Já tinha o seu emprego, conseguira com suas irmãs comprar um terreninho para uma família que as auxiliou muito na infância, continuaria a morar no interior; com uma única diferença: o seu marido não tinha as condições financeiras almejadas por seu pai, mas, por outro lado, tinha uma educação muito boa.
Teve três filhas.
Lá pelas tantas, seu Mario, Romeo, já havia decidido que ela largaria o magistério. Ela, mais uma vez, aceitou e, a partir dalí, começou a se dedicar em tempo integral ao lar. O seu brilho já não era mais o mesmo. Os bailes já não mais a deixavam feliz. Não acompanhava Romeo. Abnegou-se por longos anos, tendo como meta esconder das filhas quaisquer deslizes de Romeo, e fazer com que elas o admirassem cada vez mais. E foi o que aconteceu.
Com 45 anos, Romeo foi acometido por uma doença e Maria Rosa mudou a sua rotina: dedicou-se totalmente a ele. Emagreceu muito e o tempo mostrou sinais de desgaste. A vaidade, a pouca vaidade que ainda lhe restava, se foi.
Depois de quatro anos e meio de doença, Romeo não resistiu.
Por incrível que pareça, Maria Rosa, então com 45 anos, entendeu . Chegou em casa do enterro do marido com as filhas e se dirigiu à televisão preto e branco, ligando-a com som normal (coisa inaceitável na época) e, uma semana depois, rumou para uma pequena viagem com uma de suas irmãs e seu cunhado, no sentido de “aceitar a mudança de vida”. Havia perdido o marido, o emprego. E a carreira? O que faria da vida? A situação não seria fácil. Como se arrependeu de ter aceitado largar mão de alguns desejos, em especial o do magistério, uma vez que, por residir em uma cidade do interior, ainda encontrava homens e mulheres que a chamavam de “professora” (era um orgulho e tanto).
Seguiu seu rumo, não como professora de colégio, mas como professora da vida, doando-se integralmente à família, vendo nascer os netos e criando uma confiança interior jamais vista.
Ela teve uma carreira de dar inveja a qualquer um: de luta, de reinícios, de amor. Alguns acreditam que o início de sua carreira aconteceu aos 40.
Em um desses dias, um dos seus ex-namorados comentou com Lúcia, uma das suas grandes amigas: “Maria Rosa é uma mulher especial. E até hoje não me arrependo de ter atravessao várias vezes o Rio dos Sinos, a nado, para vê-la.”
Continua uma pessoa muito simples, vive melhor que naquela época, e só pede uma coisa às filhas: “Se eu morrer, não esqueçam de colocar-me um perfume francês. Morro, mas morro como gosto: perfumada”.
Sua filha, Ivana, hoje com 47 anos, orgulha-se da profissão da mãe, da sua volta por cima.
Mas os tempos são outros.
(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)