A direita não fala

A DIREITA NÃO FALA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 14.04.2010)

Evidente que não: a falar, a direita prefere agir. E assim vem se mantendo intacta, dona do poder - senão o político num dado momento histórico, ao menos o econômico.

A direita não fala em público, não se expõe inutilmente, apenas pela vaidade de dizer "eu sou conservador, eu sou reacionário, eu sou pela manutenção do que está aí".

A direita apenas sugere, insinua, propõe, "aconselha" e "oferece"; prefere confabular, conspirar, sussurrar e, internamente, aí sim, urrar a valer. Isto torna difícil ao observador avaliar mais adequadamente os fatos, os episódios, os propósitos, a História em si. E isto é ruim para todos - menos para a direita, é claro: quanto menos transparentes as coisas puderem ser, melhor. Menos questionamentos, menos justificativas, menos aporrinhações. É por isto que a direita não gasta energia com discursos, tão vãos afinal quanto as palavras que os estruturam na tentativa de dar-lhes um significado, de esconder as verdades que de fato proclamam.

Semana passada, de quarta a sexta-feira, com curadoria do cineasta José Rafael Mamigonian, a Fundação Cultural Badesc apresentou um ciclo de documentários sobre a tortura e a repressão da ditadura militar brasileira (1964-1985). Após as sessões, o debate nutriu-se de depoimentos e testemunhos de quem participou dos eventos e de quem os estuda. Mas não havia ninguém da direita para explicar, contestar, desmentir ou justificar (?) os fatos.

No primeiro dia foram projetados os filmes "Vala Comum" (1994), de João Godoy, e "Brazil: A Report on Torture" (1971), dos estadunidenses Saul Landau e Haskell Wexler; na quinta, "15 Filhos" (1996), de Marta Nehring e Maria Oliveira, e "Memória para Uso Diário" (2007), de Beth Formaggini; "Hércules 56" (2006), de Silvio Da-Rin, encerrou o ciclo. Mas não houve (por inexistir) um único filme da direita para fazer o contraponto, para advogar a defesa das atrocidades registradas em cada documentário.

É péssimo para a História, para o Brasil e, especialmente, para os brasileiros, que a direita se omita de falar, de depor, de debater. Ao invés, enquanto foi ditadura, fez de tudo para que ninguém falasse (terror e censura prévia são faces dessa "estratégia"); finda a cruel aventura, mantém clandestinos os arquivos das violações cometidas - quando não os incinerou, como parece ter sido o destino de boa parte dos documentos daquela triste época.

(Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 31 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 14/04/2010
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