O gás lá em casa

o fato é o que menos importa

De repente, palavras ditas aos berros. Meus olhos buscam o fato. Não sou o único. Desavenças alheias chamam a nossa atenção. Dois homens de preto ouvem os insultos de um terceiro. São os vigilantes do Metrô. O rapaz que é conduzido para fora da estação demonstra grave indignação, e o faz de modo agressivo, que é fruto do seu inconformismo.

Num primeiro momento, fiz a leitura de que se tratasse de um lutador de jiu-jitsu, dado o porte do rapaz. A mente é que busca decifrar o que olhos veem, ouvidos ouvem. São as informações dadas pelos sentidos. As situações podem ser as mais variadas e os sentidos podem ser outros.

Falando em alto tom, informava ser casado. Culpava um dos agentes de segurança pelo gás de cozinha que não levaria para seu filho. Colava a cara à cara do funcionário do metrô, que se mostrava um pouco tenso. Cheguei a calcular que temia a irritação excessiva do rapaz. Seu companheiro ao lado estava atento, pronto para agir como fosse necessário. Desconfiei que haveria agressão física num dado momento, tamanho o modo ameaçador como esbravejava com o agente, aquele homem de toca, camiseta, bermuda, meia e tênis.

Fez a ameaça da perseguição. "Você não vai mais ter sossego em sua vida". Passou pela catraca e teve que tolerar sorriso cínico do seu algoz. Indignado, protestou aos berros. Lembrou mais uma vez o gás de cozinha, o filho, a casa. Num ato de extremo, jogou sua mochila ao chão e chorou enquanto reclamou. Fragilizara-se. Já não era mais aquele que forjava valentia. Buscou o público numa espécie de discurso. Queria algum tipo de apoio. Fazia política e se mostrava hábil.

Ali, permaneceu encostado ao parapeito. Funcionários do Metrô o observavam atentamente. Usuários faziam o mesmo, mas com curiosidade. Alguns até parados como que assistindo a um show.

A minha leitura, eu interrompera para o fato fazia alguns minutos. Meus olhos eram frios, não nego. Rapidamente, fiz simples reflexão, enquanto retornava à leitura e vez ou outra observava o rapaz parado, indignado, olhos mareados.

Quando vi que o agente de segurança estava ao telefone, pensei que estivesse acionando a polícia. Declinei da frieza e fiz torcida para que o jovem abandonasse a estação. Mas outra vez mais minha mente errou na interpretação daquilo que lhe era transmitido pelo sentido da visão.

Um homem que puxava uma das pernas, desceu escada rolante e falou ao longe com o rapaz, que ouvia atentamente. Lá da plataforma, fez discurso. Pediu para que não fizesse nenhuma besteira, que tomasse cuidado com a "cabeça". Até que se foi , não sei se no primeiro trem que passou. O jovem expulso, ouvia e concordava, meneando a cabeça. De qualquer forma, parecia querer se livrar daquele que parecia pregar.

A reflexão que fiz foi que o fato ocorrido era o menos importante. O agente de vigilância do metrô apenas cumpriu sua obrigação ao expulsar o rapaz do trem, que vendia produto qualquer num dos vagões, o que é terminantemente proibido pelo Metrô. Neste sentido, não cabe indignação contra aquele que desempenhou seu papel, ditado pelas normas da empresa para o qual ele trabalha. O problema ali era a situação de desemprego daquele que buscava sobrevivência, cuja condição era agravada pela má ou nenhuma preparação profissional , fruto de um sistema de ensino que está entre os piores do mundo, consequência de uma sociedade tão desigual.

Prender-se ao fato, como fariam os jornais, é limitação proibida aqui. Abro espaço para fazer a crítica aos periódicos, que se limitam, muitas vezes, apenas aos fatos, sem aprofundamento reflexivo. Podem defender que isto é característica das revistas, que os jornais funcionam de modo diferente. Se assim for, o leitor terá a velocidade da internet como melhor opção. No dia seguinte, a leitura da notícia no jornal deixará de ser feita, algo que, por exemplo, já fiz diversas vezes, posto que já sabia do ocorrido, uma vez que já fora noticiado por site qualquer de notícias.

Passaram-se alguns minutos e aquele que fora reprimido pelas forças do metrô insistia ao parapeito. Decidira que retornaria ao trem para prosseguir com seu comércio. Mas o agente de plataforma estava de olho nele. Este, bem que tentou o retorno, quando burlaria outra regra que é o pagamento pelo acesso à plataforma de embarque. Mas foi impedido. Após a segunda tentativa, renunciou ao objetivo seu. Deu as costas ao funcionário vigilante e não se voltou mais, caminhando para uma das saídas daquela estação do Metrô paulistano.