Cruz & Souza, O Filme
O filme é uma sucessão de imagens aleatórias sobre a vida, a obra e as mulheres da vida do poeta simbolista Cruz e Souza. O diretor, proveniente dos filmes documentários, não é exatamente a figura mais indicada para trabalhar uma ficção realista sobre a vida do "Cisne Negro".
As imagens das cenas são por demais cansativas. Há uma narratividade subjacente que distancia o interesse do espectador na continuidade da história da vida do "Poeta Negro". O filme carece de um roteiro, não de cinema documental, mas de uma cinematografia ficicional, que traga as imagens dinâmicas de uma existência dedicada à poesia, que desperte no observador a atenção pelo contexto político, econômico, social em que viveu o poeta.
O filme não mostra a contento as personagens que com ele conviveram em seu tempo. Suas viagens e as palestras que proferiu. Ignorou quase que totalmente, a quantidade de situações sociais vexaminosas pelas quais passou o "Poeta do Desterro", em decorrência de ser ele filho de escravos, negro e pobre.
O diretor, como já foi dito, é proveniente do cinema documental. Não possui a experiência nem o talento para elaborar um roteiro "ficcional" realista, que insira o espectador no "olho do furacão" das contradições sociais de seu tempo poético. Cruz e Souza é mostrado como um sujeito doentio, mórbido, que não estava aberto ao questionamento das contradições de sua situação social.
As mulheres que teria amado são mostradas como objetos fantasmagóticos de relações de intimidade frias, como se Cruz e Souza não fosse capaz de amá-las ou apaixonar-se por elas, mas apenas de cortejá-las com uma placidez de remanso de riacho. O diretor do filme sugere ao espectador que a teoria racista de Roger Bastide, segundo a qual Cruz e Souza sofria de uma ?nostalgia de não ser ariano?, é pertinente e deve ser considerada com seriedade.
Um filme é essencialmente uma linguagem de estimulação dinâmica dos sentidos. Exige de seu diretor uma intimidade com a técnica ficcional de elaboração do roteiro, de planejamento da filmagem das cenas e seqüências, que um roteirista proveniente do cinema documental, está longe, muito longe, de dominar.
A atmosfera dos cenários e as personagens, sugerem uma subjetividade demencial, monótona, uma melancolia que, mesmo presente nos versos das poesias de Cruz e Souza, não foi adequada à dinâmica do espetáculo cinematográfico. A sensualidade, a religiosidade, a transcendência, a "arte da sugestão" que representou o Simbolismo, através das imagens vaticinadas pela criação poética de neologismos, das sinestesias, da aliteração e da assonância, não estão presentes nas alegorias que a arte cinematográfica pode, mais que nenhuma outra, representar.
A 7ª Arte não é uma arte apenas e exclusivamente documental.
O Simbolismo sugere novas formas de expressão. É uma linguagem essencialmente "estética", que elabora, como nenhuma outra, a diversidade oceânica de emoções e sentimentos, a "beleza dialética", física e plástica, do dinamismo objetivo e subjetivo da vida em suas mais intensas e profundas manifestações.
Assistir ao filme Cruz e Souza que originou a redação desse artigo não contribuiu para que esse dissente mais se motivasse no interesse de pesquisar a vida, o tempo (contexto histórico) e a poesia do poeta simbolista que melhor representou o movimento do Simbolismo nas américas. A "negritude do Cisne Negro", simplesmente ignorada. Para ser otimista, afirmo: melhor esse filme sobre Cruz e Souza do que nenhum.