Aborrescência

Quando somos jovens fazemos muitas besteiras que nos colocam em situações constrangedoras. Tenho um amigo que durante a adolescência tinha paixão por armas e as colecionava. Colecionar armas por sí só já considero questionável, no caso dele, que só tinha dezenove anos, era ainda pior, pois as armas eram pinadas, ou seja, ele tinha um conhecido na polícia que lhe vendia armas apreendidas e que deveriam ter sido destruídas, armas duplamente ilegais!

Havia acabado de comprar uma pistola 765 (ao invés de consertar o motor de arranque de seu carro sob a desculpa de que a pistola era muito difícil de conseguir por ser de calibre restrito) e como todo jovem empolgado com o brinquedo novo, andava com ela sob o banco de seu automóvel para mostrar aos amigos.

Seus amigos tinham a mesma idade e estavam tão propensos a idiotices quanto ele. Tiveram então a “genial” ideia de ir até os arredores do Jockey Club e dar alguns tiros para o alto só para assustar os travestis que faziam ponto na região e vê- los correr assustados rua acima.

Só havia um problema! Por ser um calibre restrito eles não tinham onde conseguir balas para a pistola que estava desmuniciada.

Improvisaram arrumando algumas lâmpadas fluorecentes, o som que elas produzem quando são jogadas ao chão é igual ao disparo de uma arma de fogo e, como não tinham a intensão de machucar ninguém, não importava se usassem uma arma ou uma lâmpada.

Lá foi a pistola de volta para baixo do banco e os três jovens munidos de lâmpadas para o Jockey, isto é, depois de empurrarem o carro defeituoso para que pegasse no tranco!

Alvo encontrado, mira feita e míssil lançado!

“BLAM!!!”

Os travestis correram com o estampido e o garotos imprudentes caíram no riso, que durou até o aparecimento repentino de um par de faróis altos.

__ Coloquem as mãos onde eu possa ver!

Era a polícia! Polícia não, pior, a ROTA! Já não parecia mais tão engraçado!

Nessas horas de aperto é que notamos quanto vidro há em nosso telhado. Meu amigo pensou em sua vida, tinha dezenove anos, já podia ser preso, estava com uma pistola pinada sob o banco do carro, se dissesse quem tinha lhe vendido estava morto. E sua namorada? Como explicaria o que estava fazendo alí, mexendo com travestis? Seu sogro! Ele era investigador do DEIC! Nunca mais deixaria falar com a filha! Mas o pior era pensar no pai evangélico que provavelmente infartaria quando soubesse do filho!

Pensou nisso tudo antes mesmo de descer do veículo e, quando desceu, levou um tapa que o trouxe de volta ao presente.

__ Então os três playboys gostam de assustar os outros, não é?

E um dos sinistros policiais batia com uma lâmpada intacta na palma da mão.

Dois jovens foram colocados dentro do camburão enquanto um dos policiais sento- se no banco do passageiro para acompanhar meu amigo, que deveria dirigir até a delegacia.

Deveria! Pois o carro não pegou.

Teve que descer e empurrar, sozinho não conseguiu, o policial teve que ajudar.

__ Vou te matar seu moleque!

Dizia, irritado com aquela situação patética, para meu amigo, que suava cubos de gelo imaginando o que aconteceria se o policial encontrasse a arma embaixo do banco.

O carro não pegou e os três não cabiam dentro do camburão, diante disso (e do choro dos três adolescentes) os policiais os soltaram e se foram, a lição fora dada. Tanto que isso aconteceu a uns quinze anos e esse meu amigo até os dias de hoje tem como lema o velho ditado: “Quem tem teto de vidro não joga pedra na casa do vizinho!” Se desfez da coleção de armas e é uma das pessoas mais corretas que conheço.

As vezes precisamos de um susto para perceber quanto temos a perder. Portanto, sempre que pensar em fazer algo duvidoso, mesmo que pareça irrelevante, pense nas consequências que podem ser geradas.

Nem sempre temos a sorte de sermos avaliados por nosso intento (mesmo que deprimente) em vez das evidências que podem ser colhidas contra nós e que, apesar de acusadoras, podem não representar o nosso verdadeiro caráter.

Aliás, gostaria de dizer que os três jovens se sentiram aliviados quando foram liberados pelos policiais. Mas estavam no Jockey, cercados por travestis que haviam acabado de assustar e com o carro quebrado. Isso sim foi castigo!

Eleazar de Santa fé
Enviado por Eleazar de Santa fé em 12/04/2010
Reeditado em 13/04/2010
Código do texto: T2192025
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