CLIENTE BANCÁRIO
Banco na hora do almoço: depósito para o filho universitário em Curitiba. As intensas chuvas da entrada do verão causaram prejuízos e aumentaram significativamente o condomínio. As águas inundaram o estacionamento e estouraram as tubulações. O seguro pagaria os estragos dos veículos, mas as tubulações e os trabalhos a elas inerentes correriam por conta dos moradores.
A estagiária o tirou da fila e apontou o caixa eletrônico: depósito sem burocracia. Preencheu sem dificuldades o canhoto do envelope, digitou os dados na máquina, enfiou o invólucro e retirou o comprovante ao fim do qual constavam informações de conservação do documento.
Um bafo demoníaco invadiu as faces assim que pôs o pé esquerdo nos limites da porta da rua. Caminhou esbaforido até o escritório, ligou o condicionador de ar e antes das cinco da tarde a conta de energia elétrica repousou sobre a mesa. Aumento de cinqüenta por cento de consumo. A de casa deveria vir no mesmo patamar. Se continuasse assim, o orçamento estouraria.
Proposta de dormirem de janelas abertas rejeitada pela esposa. Ladrões, falta de segurança, bichos peçonhentos.
- Além do que, garantiu a esposa, janela aberta não significa menos calor. Como sempre, tinha razão.
Jantou e, antes de tomar banho, um lampejo raspou-lhe a memória. Caminhou cinco quadras, destravou a porta automática e notou os condicionadores de ar ligados. Destravou novamente a porta e esperou os minutos finais para as dez. Os caixas eletrônicos se desligaram, mas os condicionadores de ar mantiveram o trabalho intenso. Um auxiliar de escritório, cujo irmão trabalhara como segurança de banco, informava que a ventilação se fazia necessária para não provocar circuitos. Vinte e quatro horas de vento fresco para computadores, máquinas e equipamentos.
Na noite seguinte, entrou no banco faltando cinco minutos para as dez, varreu o ambiente dos caixas eletrônicos, passou um pano umedecido para retirar o excesso de sujeira, estendeu um colchonete e encetou o sono relaxante, interrompido nos primeiros raios quando o vigilante, provavelmente também despertando do sono, estranhou a situação e chamou a polícia.
- Dormiu aqui? Mas, como assim, cidadão?
- Estou pagando muita conta de condicionador de ar. Já que sou cliente do banco, posso usufruir de tudo o que me oferece. Ou há alguma lei que me proíba de dormir aqui?
O policial olhou desconfiado para o colega. O vigilante incomodou-se com a situação, mas não conhecia leis que vedassem os clientes de dormirem nas dependências da agência.
- Além do mais, sou excelente cliente. Tenho pouco dinheiro, mas meus cheques não voltam e tenho uma pancada de títulos de capitalização, fundos de renda fixa e seguros de vida, residencial e automobilístico.
Ao anoitecer, voltou à agência no horário da véspera, acompanhado da esposa e do filho mais novo. Acomodou o colchão de ar em um canto e o do filho em outro. Às cinco e quarenta e cinco o vigilante acordou a família. Enquanto esperava a abertura da porta automática, enfatizava que, além do ar refrigerado, contavam com forte segurança. À noite, voltando ao banco, entregou um pacote de coxinhas e duas latas de Coca-Cola.
O trato de coxinhas e refrigerantes se estenderia longo tempo se o gerente não se inquietasse com pessoas deitadas no escuro. Bateu no vidro dos fundos. Acordou o vigia, assustado com a visita inóspita. Depois de explicações, passou pela porta giratória e, em voz alta, solicitou que deixassem a agência.
- Daqui nós não saímos. Daqui ninguém nos tira.
O gerente silenciou. Telefonou para a polícia. Informado da situação pelos subordinados, o comandante adiantou que não poderia fazer nada. Obtivesse uma ordem judicial que a cumpriria.
Em pouco tempo, dezenas de curiosos se aglomeravam nas portas de vidro da agência no interior da qual o casal ressonava tranquilamente e o filho, aproveitando o grande número de telefones móveis com micro-câmeras, sorria, acenava, fazia presepadas.
De início, os advogados se recusaram ao despejo. Ameaçados de cancelamento de contrato por falta de prestação de serviços, entraram com o pedido de expulsão dos dorminhocos. O gerente ia pessoalmente ao fórum todas as tardes. Um dia o processo estava no protocolo; outro no assistente do diretor do cartório. Um dia, quase chegando às mãos do diretor do cartório; no outro, na mesa do diretor. Depois, o diretor faltou por motivos de doenças, dois feriados prolongados, férias do juiz, atentado contra o prédio, análise do pedido e, finalmente, a almejada ordem de despejo.
Telefonou para a polícia. Esperou das cinco e meia da tarde até dez da noite. Dez e quinze, dez e meia, onze horas, quinze para uma da manhã.
- Mas que raios? Só porque trouxe essa expulsão esse pessoal não vai aparecer?
- Nesse frio? Interveio o vigilante, acho que eles preferem ficar em casa, enrolados num edredom.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 9 de abril de 2010.