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                                                    Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
                                                     Como as outras
                                                     Ridículas.
                             
                                                     (...)

                                                     Mas, afinal,
                                                     Só as criaturas que nunca escreveram
                                                     Cartas de amor
                                                     É que são
                                                     Ridículas. 

                                                                        ÁLVARO DE CAMPOS        

     


ANTIGAS CARTAS DE AMOR
 
 
Hoje, somente com a saudade remanescente do tempo que amamos, folheio àvidamente as belas páginas de amor que escrevi inspirado em ti. O corpo encurvado pela idade, pelos embates da vida, deixo-o abandonado no sofá, enquanto a alma, a evolar pelo espaço, percorre os anos, revisitando saudosos acontecimentos que nos foram caros. As mãos, tocadas pelas rugas, seguram amarelecidas cartas. Elas, para mim, ainda contêm trechos vivos, parcelas de vivências inesquecíveis. Vidas que tivemos e nem o tempo conseguiu apagá-las; sobreviveram na favila de meu pensamento e rodopiaram hoje em minha mente, libertando-se, então, das cinzas que trago comigo. E tu? Será que ainda te lembras de mim? Ou libertaste da dor com a cruel separação a que fomos levados? A vida nos reservou uma tortura difícil de compreender. Eu, que acreditava e via em nós o mais sublime dos amores, por um instante o cruel destino converteu-o em fragmentos de penosos sofrimentos. Nem mesmo um aperto de mãos para encadear uma amizade. Nada, nada tive de ti.  Somente recorda-me a lembrança, os teus tristes olhos fitando-me com uma dor imorredoura, arrancando-me profundos suspiros incapazes de explicar ou entender o pesado silêncio que sobreveio fatal. E nos afastamos lentamente assim,  incompreensivelmente, em silêncio. Eu tinha medo de perdê-la, mas uma força estranha afastava-me cada vez mais de ti; lutava inutilmente contra um inimigo invisível, poderoso, que cravava afiadas unhas em minhas entranhas, levando-me para um inferno de desconsolo e aflitivas mágoas. Fui levado e nos separamos. Hoje, relendo estas páginas, que há tantos e tantos anos trago comigo, as lágrimas quentes me brotam à face, escorrendo, impiedosas, seu sabor até a boca, misturando ao gosto saudoso de tudo que ficou.  Assim consistiu minha vida: lutar, amar e sofrer; dos atos dessas palavras, eu as vivi para você. Tive-as comigo sempre para você. Se ainda toco a tua sensibilidade, imagino, confesso que me encontro espinhado por ela.  Querida, talvez neste momento, estejas a alisar os cabelos de teus netinhos como a brincar com instrumentos inocentes, alheia a tudo que passamos. Se choras por mim, não sei; se pensas em mim, não tenho certeza disso.  Todavia, se me tens furtivamente no coração, consola-me o peito.






 
















 
                       
moura vieira
Enviado por moura vieira em 11/04/2010
Reeditado em 09/08/2021
Código do texto: T2190277
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