SOU CANTORA

Sou cantora de nascimento. Acho, até que naquela palmadinha tradicional, eu não chorei – cantei.

Bem pequeninha eu cantava - mesmo antes de saber falar – à maneira “boca chiusa”, ou seja de boca fechada. Isso me contaram, não estou inventando.

Naquele tempo havia um tipo de música que hoje nem se fala mais: as operetas. Uma das mais conhecidas é A Viúva Alegre. Esta eu tartamudeava. Foi por causa desses meus dons musicais e, ainda, por memorizar capitais de quase todos os países que fui considerada uma criança ”portento”, pois “prodígio” era a Shirley Temple, lembram?

Sinceramente, não lembro nada disso mas acredito, pois não foi só minha família que comentou. Mas, naquele tempo ainda não havia televisão nem “caçadores de talentos”, como hoje.

Algumas árias de óperas e até serestas foram acrescentadas àquele repertório e o fenômeno (que era eu) preparando sua trajetória musical. Houve uma fase muito linda: Jeanette MacDonald, Martha Eggert, Rosita Serrano e outras sopranos cantavam músicas fantásticas, no estilo lírico de valsas vienenses. E eu, em algumas músicas, conseguia alcançar o registro vocal das minhas amadas cantoras.

Numa espécie de atavismo, esta mu-si-ca-li-da-de - assim cadenciada mesmo - sempre foi uma constante no decorrer de toda a minha vida. Lembro que eu estudava ouvindo música, mas sempre boa música. Como sentia dificuldade para memorizar datas e pontos geográficos, associava os detalhes a um trecho ou frase de uma música e conseguia lembrar na hora da prova.

Sou da época da serenata vagabunda, de porta em porta... Ah! Como era bom... minha madrinha reunia um grupinho e, tocando gaita (acordeon) íamos cantando nas casas dos vizinhos que nos recebiam com salgadinhos caseiros, doces, sucos e... para os adultos, umas bebidinhas. Começávamos cedo e voltávamos para casa bem tarde, geralmente com pratinhos de guloseimas; as crianças sonolentas, mas todos de alma lavada.

Minha adolescência foi musicada por tangos de Carlos Gardel e Francisco Canaro, entre outros; boleros de Lucho Gatica, Roberto Yanés, Gregório Barrios; os mariachis de Miguel Aceves Mejia, com os famosos gritos; as orquestras norte-americanas, com as músicas imortais de Cole Porter, Glenn Muller, Xavier Cugat, Carmen Cavalaro (que era um pianista, apesar do nome) e, só para magoar as lembranças: Frank Sinatra!

Concordem comigo: foi, mesmo uma época de ouro – tanto que perdura. Quando eu me apresento em algum lugar, independente da faixa etária do público, alguém pede um La Barca, Perfídia, El Dia Que me Quieras... olha lá uns olhinhos jovens acompanhando, até apaixonados, os ritmos “antigos”.

Esta magia que a música exerce sobre as pessoas me fascina e só quem canta em público pode ter esta percepção: quando se canta com amor, colocando o sentimento verdadeiro nas palavras e dominando a melodia com a alma, cativa até aqueles que (ainda) não gostam do estilo.

Assim como eu canto um bolero passional, posso cantar com o mesmo entusiasmo um samba rasgado.

Realmente, eu sou Cantora, com muito orgulho!