Durma bem

Luz apagada. Lucidez de devaneios. Contestações a cerca da realidade vivida. Portas que se mostram. Fios de esperança. Ali, em meio à escuridão e o som do computador ligado para tarefa necessária, a construção de um texto. Uma insistência e o surgimento de uma idéia qualquer. Como que forçasse a caneta no papel, pressionada entre os dedos, sem ver tinta alguma sair. Não havia papel, nem havia caneta que fosse. Mas o que tinha era o principal de tudo: palavras. Uma a uma foi surgindo na escuridão no quarto seu de dormir. E foi então, considerando a novidade da idéia, que se acendeu a única lâmpada que ilumina o pequeno quadrado de quatro paredes, todas forradas de papel decorativo. Tomou-se folhas com os versos em branco , e antes disto a caneta esferográfica azul.

Sim, houve algum entusiasmo, espécie de comemoração. Ultimamente não se tem escrito quase nada, ou mesmo nada. E não se deixa de fazê-lo sem se incomodar, muito embora escrever não provenha sustento seu. Agora, sob luz amarelada, olhos a percorrem o quarto em busca de algo a dizer. Talvez a luz que ilumina seja espécie de obstáculo, como que envergonhasse a criatividade. Mas isto não se pode considerar como verdade, do contrário o que se teria agora era silêncio de palavras. O engano, o motivo dele, é possível indagar razões, descobrir o que seja que explique, mas declinar é opção escolhida.

Não demora, a luz será outra vez apagada, sem sequer dar um “boa noite”. E não que algum sono se anuncie. Vai-se mesmo é buscar o refúgio da escuridão, sem significar isto algum sofrimento instalado. É que é gostosa a escuridão do quarto protetor. Diferentemente de outras escuridões, sobretudo às de ruas desconhecidas. Muitas das quais, a esta hora, dormem inúmeras pessoas. Elas que surgem aqui sem pedir licença alguma. Mudam o rumo do texto. E o fazem sem antes dar um “boa noite” de quem chega. Essas mesmas pessoas que ao dormirem ninguém lhes deseja um “durma bem”. Mas isto é dito de modo bem incerto. Vai ver que entre elas há o desejo proferido de quem quer pra si o que deseja ao outro.