Humanismo falsificado
Sobre a crônica “A Subcidadania te olha do fundo do poço”, um leitor anônimo enviou a seguinte mensagem:
“Fábio, você disse grandes verdades. Aqui, só o pobre paga imposto. E não sabe, o infeliz. Acha que quem paga "imposto de renda" é rico, logo, quanto mais roubarem o Estado melhor, não é do bolso deles que sai. E já passou da época de o Brasil criar vergonha e eliminar sua pobreza, tantas desigualdades. É uma vergonha.
Contudo, acho que é preciso ser intransigente com a violência, quaisquer que sejam suas causas, mesmo a originada pela pobreza. São dois problemas, pobreza e violência, interligados e que precisam ser combatidos simultaneamente. Portanto, não concordo com a sua solidariedade ao assaltante linchado em João Pessoa. Acho que o sujeito que entra na casa de outro com uma arma e acaba morto teve o que merecia. Seja playboy ou favelado. Você é uma pessoa tão inteligente, não contribua ainda mais com a violência com esses falsos escrúpulos humanistas tão característicos dos nossos intelectuais”.
Prezado anônimo, não costumo responder a mensagens que não têm a assinatura do autor. Mas em consideração ao seu modo respeitoso de externar sua discórdia sobre meu ponto de vista, preciso afirmar que não sou intelectual, não me considero mentalmente superior a ninguém, mas divirgo de sua opinião de que “intelectuais apresentam falsos escrúpulos humanistas”. Então consciência moral é privativo de quem não trata de cultura, de arte e literatura? Só as pessoas que não dominam um campo de conhecimento intelectual seriam orientados pelos princípios da moral e da boa conduta? Da forma como coloca, só intelectuais são fingidos quando lamentam a violência, a injustiça e o preconceito.
O nobre anônimo acha que, pela lógica da legítima defesa, há justificação para que um grupo de pessoas cometa execução sumária com requintes de crueldade. É a legitimação da barbárie, continuo achando. A selvageria, a lei das selvas, não é nem será jamais remédio para combater a violência e produz mais crueldade e injustiça em escala cada vez maior.
Meu pai Arnaud Costa, um rábula, esse sim, intelectual, diz que o Direito trabalha com a questão da legítima defesa dentro dos elementos da moderação, e que a agressão injusta e desproporcional são excludentes de ilicitude da legítima defesa. Todo linchamento é moralmente condenável e irracional. O homem sempre teve sede de justiça e na mesma proporção, sede de vingança. Quase sempre a justiça veio em forma de vingança. Tal como o homem, as leis evoluíram e a justiça foi parar nas mãos do Estado. E a vingança, teoricamente, deixou de existir. Defendendo o linchamento de infratores, o nobre anônimo patrocina a causa de que o Direito deve sofrer involução, e que reassuma a lei do mais forte. Não concordo com isso, mesmo sem ser intelectual.
Sem também professar nenhuma fé religiosa, considero que não sou dono da verdade, sou servo dela. Mas é como diz: como ficaria sua consciência cristã, meu caro anônimo, se por acaso matasse alguém, mesmo em legítima defesa? Ser juiz e carrasco ao mesmo tempo, e da forma mais implacável e impiedosa, causando sofrimento à vítima.
A violência moral e física anda emboscando cada homem e mulher de nossa terra. A chaga social causa ausência de comoção. O mais insuspeito cidadão defende a tortura e a morte por linchamento, em meio a um profundo obscurecimento cultural. As regras e a moral ficam em segundo plano. Falta substância e realidade às instituições. A miséria moral anda simultaneamente com o estado de carência absoluta.
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