Celibato e pedofilia




                         É pouco dizer que a pedofilia
                         envergonha a Igreja.
                                                  Leonardo Boff


          Só os padres não podem errar.
          Pelo menos é esta a conclusão que se pode tirar depois de ler o farto e espalhafatoso noticiário sobre a pedofilia na Igreja Católica. 
          Diante desse espetaculoso noticiário, tem-se a nítida impressão de que os sacerdotes não são pessoas comuns, e, como tais, passíveis de cometer erros; de pecar. Os padres, senhores, não são divindades...
          Vejam, pelo amor de Deus, que não estou aqui tentando inocentá-los de tudo aquilo de que são acusados, inclusive da prática de pedofilia.
          Se comprovadamente pedófilos, que sejam exemplarmente punidos pela Igreja e pelo Estado.
          Cumprida a pena, que alcancem a liberdade, levando na sua cuca e no seu coração, essa frase do Mestre: "Vá e não peques mais." 
          Apenas pergunto: por que tanto estardalhaço ao se noticiar a pedofilia na Igreja Católica quando se sabe que há pedófilos em todas as Instituições e profissões, religiosas ou não?
          Quem garante que entre os que comandam essa radical campanha contra a Igreja de Roma - que também peca - não existem pedófilos juramentados?
          Vale lembrar, que, na Igreja Católica, só um pequeno número de padres são reconhecidos como pedófilos. E a Igreja Católica não é, apenas, uma paróquia.
          Será que em outras Igrejas, cristãs ou não, há pedófilos entre os seus pastores?  Claro que sim.
     A pedofilia na Igreja Católica existe e cabe encontrar, com inteligência e urgência máxima, uma solução para evitar que esse condenável comportamento  continue manchando sua reputação.
          E uma das soluções está num artigo do Teólogo Leonardo Boff, que merece ser amplamente divulgado. 
          Porque concordo com os ensinamentos nele contidos, tomo a liberdade de aqui transcrever, na íntegra, o que ele  pensou e escreveu.  E vamos lá.
     "O levantamento dos padres pedófilos em quase todos os paísesda cristandade católica está ainda em curso, revelando a extensão desse crime que tantos prejuízo tem provocado em sua vítimas. É pouco dizer que a pedofilia envergonha a Igreja. É pior. Ela representa uma dívida impagável com aqueles menores que foram abusados sob a capa da credibilidade e da confiança que a função de padre encarna.
          A tese central do papa Ratzinger que cansei de ouvir em suas conferências e aulas vai por água abaixo.
          Para ele, o importante não é que a Igreja seja numerosa. Basta que seja um "pequeno rebanho", constituído de pessoas altamente espiritualizadas.  Ela é um pequeno "mundo reconciliado" que representa os outros e toda a humanidade.
          Ocorre que dentro desse pequeno rebanho há pecadores criminosos e é tudo menos um "mundo reconciliado". Ela tem que humildemente acolher o que dizia a tradição: a Igreja é santa e pecador e é uma "casta meretriz".
          Não é suficiente ser Igreja. Ela tem que trilhar, como todos, pelo caminho do bem e integrar as pulsões da sexualidade que já possui 1 bilhão de anos de memória biológica para que seja expressão de enternecimento  e de amor e não de obsessão e de violência contra menores.
          O escândalo da pedofilia se constitui num sinal dos tempo atuais. Do Vaticano II (1962-1965) aprendemos que cumpre identificar nos sinais uma interpelação que Deus nos quer transmitir. 
          Vejo que a interpelação vai nesta linha: está na hora de a Igreja romano-católica fazer o que todas as demais Igrejas fizeram: abolir o celibato imposto por lei eclesiástica e liberá-lo para aqueles que veem sentido  nele e conseguem vivê-lo com jovialidade  e leveza  de espírito. 
          Mas essa lição não está sendo tirada pelas autoridades romanas. Ao contrário, apesar dos escândalos, reafirmam o celibato com mais vigor.
          Sabemos como é insuficiente a educação para a integração da sexualidade no processo de formação dos padres. Ela é feita longe do contato normal com as mulheres, o que produz certa atrofia na construção da identidade.
          As ciências da psique nos deixaram claro: o homem só amadurece sob o olhar da mulher e a mulher sob o olhar do homem.  Homem e mulher são recíprocos e complementares. O sexo genético-celular mostrou que a diferença entre homem e mulher, em termos de cromossomos, se reduz a apenas um cromossomo. 
          A mulher possui dois cromossomos XX e o homem, um cromossomo X e outro Y. Donde se depreende que o sexo-base é o femenino (XX), sendo o masculino (XY) uma diferenciação dele.
          Não há, pois, um sexo absoluto, mas apenas um dominante.  Em cada ser humano, homem e mulher, existe "um segundo sexo". Na integração do animus e da anima, vale dizer, das dimensões de feminino e masculino presentes em cada um, se gesta a maturidade sexual.
          Essa integração vem sendo dificultada pela ausência  de uma das partes, a mulher, que é substituída pela imaginação e pelos fantasmas que, se não forem submetidos à disciplina, podem gerar distorções. 
          O que se ensinava nos seminários não é sem sabedoria: quem controla a imaginação, contra a sexualidade. Em grande parte, assim é. Mas a sexualidade possui um vigor vulcânico.  Paul Ricoeur, que muito refletiu filosoficamente sobre a teoria psicanistica de Freud, reconehce que a sexualidade escapa ao controle da razão, das normais morais e das leis.
          Ela vive entre as lei do dia, em que valem as regras e os comportamentos estatuídos, e a lei da noite, em que funciona a pulsãom a força da vitalidade espontânea. Só um projeto ético e humanístico de vida ( o que queremos ser) pode dar direção a essa dialética e transformá-la em força de humanização e de relações fecundas.
          Nesse processo o celibato não é excluído. Ele é uma das opções possíveis que eu defendo.  Mas o celibato não pode nascer de uma carência de amor, ao contrário: deve resultar de uma superabundância de amor a Deus que transborda para os que estão a sua volta.
          Por que a Igreja romano-católica não dá um passo e abole a lei do celibato? Porque é contraditório com a sua estrutura. Ela é uma instituição total, autoritária, patriarcal e altamene hierarquizada. Ela abarca a pessoa do nascimento à morte. O poder conferido ao papa, para uma consciência cidadã mínima, é simplesmente tirânico.
          O cânon 331 é claro. Trata-se de um poder "ordinário, supremo, pleno, imediato e universal". 
          Se riscarmos a palavra papa e colocarmos Deus, funciona perfeitamente . Por isso se dizia: "O papa  é o deus menor na terra".  Uma Igreja que coloca o poder em seu centro fecha as portas e as janelas para o amor, a ternura e o sentido da compaixão.  O celibato é funcional para esse tipo de Igreja.
          O celibato implica cooptar o sacerdote totalmente a serviço, não da humanidade, mas desse tipo de Igreja. Ele só deverá amar a Igreja. Enquando essa lógica perdurar, não esperemos que a lei do celibato seja abolida.  Ele é muito cômada para ela.
          Mas como fica o sonho de Jesus de uma comunidade fraterna  e igualitária? Bem, isso é um outro problema, talvez o principal."
          Abolir o celibato é um tema polêmico? É.
          Mas Leonardo Boff adverte: "... a sexualidade possui um vigor vulcânico." 
          E o que fazer, indago, quando  a erupção se denuncia inevitável?
          O celibato, destaca o grande Teólogo, "não pode nascer de uma carência - vale repetir - de amor, ao contrário: deve resultar de uma superabundância de amor a Deus que transborda para os que estão a sua volta." 
         Não sei, mas creio que há muitos padres esperando que a Igreja de Roma acorde e aceite o conselho do preclaro ex-franciscano Boff.
         

         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 08/04/2010
Reeditado em 29/12/2020
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