Caro Presidente Bush
Por favor, liberte a humanidade de sob a maldição de mais este estress. Decepcione todas as mentalidades bélicas, paranóicas, vaidosas. Elas já ganharam muito dinheiro como agenciadoras da dor, do sofrimento, da morte. Surpreenda os presunçosos, jactanciosos, os pseudos intelectuais e os intelectuais supostamente verdadeiros, com uma atitude de equilíbrio.
Não acirre ódios tão antigos. Dê-lhes uma lição inesperada, inesquecível, de humildade. Não há, nem nunca houve neste planeta, um homem com uma oportunidade desta em mãos. Chore uma lágrima de compaixão para com esses seres humanos que agenciaram essa barbaridade inominável contra o povo americano e as instituições democráticas que o representam.
Aproveite esta oportunidade única para reverter a polaridade do ódio e dos ressentimentos cromagnon: tão neolíticos, ao mesmo tempo tão atuais. Dê um exemplo de sabedoria e compreensão que nenhum indivíduo deste planeta jamais esquecerá. Desaponte os que estão sempre sedentos de conflitos porque ganham montanhas de dinheiro com venda de armas e o crime institucionalizado.
Desprivilegie os ressentimentos, dificulte o trabalho insano dos homicidas. Veja as cidades do mundo: estão transbordando de delitos. Não subscreva com uma retaliação, os que justificam a criminalidade e a violência diária em todos os lugares do mundo. Os EUA são o exemplo máximo.
O que os EUA faz, o resto do mundo imita. “A vida humana da qual desfrutamos é um momento único e afortunado obtido depois de uma longa caminhada. Se não cultivarmos agora o momento do despertar, quando o cultivaremos?” São palavras do Dalai Lama.
Se V. Exa. não usar esta oportunidade única para vencer o clamor mórbido por sangue, dos corações e mentes angustiados por todo modelo imaginável de conflitos humanos, quem poderá, depois do dia seguinte, despertar, se a experiência da destruição e da matança definitivas estiver concluída? Como diria aquele poeta pop americano: “Não já se matou o suficiente?”
Neste momento amar o próximo é um projeto pessoal e coletivo muito distante. Como amar o próximo se as pessoas não conseguem amar a si mesmas? O mundo do conflito, o planeta incivilizado, poderá, de um momento para outro, civilizar-se. É a possibilidade de um evento realmente extraordinário. Um homem, um único homem, exclusivo, civilizará os ânimos de toda a humanidade. Por que V. Exam. Não pode ser esse homem? Só se não quiser.
Um presidente republicano que não vai ceder aos instintos cromagnon? Um homem não escravizado pelas pressões internas de grupos tão “fundamentalistas” quanto aqueles que promoveram o horror covarde de que estamos falando. Um homem livre, de um país livre. Um homem não subjugado pelo fanatismo bélico dos que pressionam a humanidade para o abismo, dentro e fora dos EUA.
Está nas mãos de V. Exa. mudar o mundo ou lavar as mãos com plasma. A síndrome do pânico é ocupação de todas as mentes. Cure a humanidade de parte de suas tensões. Não as multiplique com retaliação. Seja o médico que liberta, não o que exaspera os corações e as mentes já tão tensos.
Mostre ao mundo que os EUA são grandes e admiráveis não apenas pelo grau de desenvolvimento político e econômico que alcançaram suas instituições, mas, principalmente, pela espiritualidade que vence o satanismo, o terror. Os EUA são o único país do mundo que atingiu todos os objetivos a que se propôs.
O objetivo último da busca da democracia, como diria Joseph Campbell, não será nem a evasão nem o êxtase para si mesmo, mas a conquista da sabedoria e do poder para servir aos outros. A distinção entre ser uma celebridade entre as nações e ser um país heróico, é que um vive apenas para si, enquanto o outro age no sentido de redimir a sociedade planetária de seus horrores. Transcender a linguagem da violência, do horror, vencê-las.
Os lares, as escolas, os bares, as ruas e avenidas das cidades, estão transbordando de tensões. O homem comum, esquecido pelos poderes, é o que sustenta as instituições com seu trabalho de Sísifo. As tensões do homem cotidiano, estão por demais concentradas no quotidiano das pequenas e médias cidades, assim como nas metrópoles do mundo.
A violência, o tráfico da droga influência, o tráfico das drogas mesmo, e a corrupção transbordam, abundantes, dos livros de história, dos livros de ficção, das telinhas, dos monitores de vídeos, dos telões do cinema, dos quadrinhos, dos jornais, das mídias todas, e das vidas das pessoas, como uma peste que entra pelos sete buracos da cabeça, e provoca ações e reações que tornam insuportáveis e agressivas as relações de convivência, até entre familiares.
O Homo sapiens sapiens lança engenhosas engenhocas em direção a outros sistemas solares, outras estrelas e galáxias. Não é hora de fazer alguma coisa para desarmar os espaços internos infinitamente agressivos, daqueles que foram capazes de um ato de alienação e terrorismo covarde, cinematográfico, dessa dimensão de horror?
Pessoas assim devem estar a sofrer de um padecimento mental e emocional atroz. De uma alienação que os nivela aos preconceitos e aos instintos mais regressivos da raça humana cromagnon. Por que o líder da mais poderosa nação do planeta tem a obrigação de se nivelar às ações terroristas desses “fundamentalistas”?
Ser xiita é tão importante que os EUA precisam imitá-los, espelhar o pavor e a barbaridade desse ato infame, nivelando-se (por baixo) a eles? V. Exa. tem o poder de fazer a Terra ser a casa de oração, compreensão e sabedoria de todos os povos.
Com a retaliação V. Exa. estará investindo na possibilidade de, num futuro não muito longínquo, ao invés de um lugar civilizado, a Terra, contra todas as melhores conquistas e esperanças da humanidade, representadas pelo saber e pelo poder dos EUA, venha a fazer justiça àquelas histórias de ficção científica que narram um quadro irreversível de devastação social: um planeta mais parecido com uma fossa atômica.
Pessoas comportando-se como se fossem animais fanáticos. Arquétipos negativos da humanidade, semelhantes a esses seres irracionais que prepararam, organizaram e fomentaram o genocídio em pauta. Eles são inimigos não dos EUA, somente. São hostis a toda a humanidade civilizada. Não faz sentido civilizado a retaliação.
É o mesmo que entrar no jogo terrorista dos partidários das milícias fundamentalistas de Satã. Num primeiro momento, as pessoas, aterrorizadas com tamanha insanidade, tendem a sujeitarem-se aos mesmos instintos pré-históricos que supostamente justificaram o ataque terrorista. Retaliar é o mesmo que se nivelar ao posicionamento político do agressor.
A não-retaliação aponta o caminho da compreensão, da compaixão, da sabedoria, dos princípios da democracia. V. Exa. por certo não vai imitá-los, e lavar as mãos com o sangue da humanidade, quando tem a oportunidade de tornar a Terra um lugar material e espiritualmente melhor, aprazível. Pacificado não pelo medo, mas pela solidariedade.
(Este texto publicado em jornais do nordeste três dias após os ataques às Torres Gêmeas — World Trade Center, em 14/09/01)