O bicho e a celebridade

O bicho e a celebridade

Aquilo estava lá, em frente a ela. O que era? Era meio verde, meio cinza e se mexia. Em que classificação poderia se encaixar aquele bicho horrendo? Mas analisar aquela terrível criatura, ver suas gosmas, seus tentáculos, suas anteninhas, não era o pior. O pior agora era imaginar que aquilo estava em um prato e seria a próxima refeição dela.

Ao ver aquela situação começou a se lembrar. Lembrou do início da carreira, de quando conseguiu a primeira vaga naquela agência, quando fez o seu primeiro book. Recordou-se do momento em que conseguiu aquelas fotos naquela revista. Quando começou a namorar aquele jogador e aparecer nas primeiras capas de revista de fofoca. Ao ver o rastro melequento que deixava o bicho ao se locomover lembrou do seu auge: aquela primeira participação, em uma novela das sete.

A conseqüência, evidentemente, foram os vários ensaios sensuais. Aquilo lhe rendeu uma grana boa e muitos convites para camarotes, festas, entrevistas na TV e muitos flashes. Outra novela veio, uma propaganda de cerveja, outra de chinelo, outra de protetor solar. Dinheiro, carro, casa de vista para o mar, implante de silicone, lipo e cada vez mais fama. Ao perceber que havia uma colher próxima de sua mão, lembrou do tempo em que tinha uma agenda lotada. Não tinha tempo para nada e ao sair da rua sempre tinha que fugir dos paparazzi.

“Como isto poderia acontecer? Eu tinha tudo! Tinha fama! Era Vip!” Mas aconteceu. O esquecimento (ou “geladeira” se preferir) é cruel. Quando menos se espera você é uma estrela do passado ou o que é pior: uma celebridade de segundo ou terceiro escalão. No início, a luta para reverter este quadro fornece a sensação de que a volta ao topo é possível. Mas com o passar do tempo o único lugar em que a pessoa aparece é em quadros como: “Por onde anda fulaninho de tal”?

Depois de alguns anos afastada, porém, ela teve uma boa chance. Um programa de auditório com jogos entre famosos. A esperança voltou aos olhos dela. Passou o dia no salão de beleza, usou os seus últimos tostões para comprar um vestido preto que há anos olhava no shopping. Horas antes se maquiou e estava preparada para brilhar mais uma vez (ou pelo menos pela última vez).

Mal sabia o que era o programa, o que deveria fazer. Ao chegar sentiu todo o glamour. Não era muito complicado, mas para ela era como uma entrega de Oscar. Começou a conversar com a produtora que lhe passava todas as instruções. Foi quando lhe falou. “Bichos? Insetos? Comer?” Pois é, a grande loura teria que participar de várias provas e uma delas era o “grande desafio” de comer algumas coisas gosmentas que se mexiam.

A primeira sensação foi óbvia: de repulsa, nojo, náusea. A segunda foi a confirmação de sua decadência. Uma grande celebridade nunca precisaria fazer isso. Comer insetos aos olhos de milhões de pessoas, gerando alguns pontos de audiência para emissora era papal de quem precisava muito aparecer. E ela precisava. Por um momento pensou em deixar o estúdio. Sair daquilo tudo e tentar outra vida. Balconista, talvez. Mas não foi isso que fez. Deu um sorriso e perguntou: “quando começamos?”

“Será que ela conseguirá comer este inseto, auditório? Enquanto isso eu vou mostrar uma revolução em imagens feita por esta fantástica câmera digital”. E ela, estava lá. “Vamos, eu tenho que fazer isto!” Sem pensar (ou respirar) engoliu aquilo. Descia por ela aquela estranha coisa que se mexia na sua garganta.

“Pronto, fiz!” Mas aquilo não durou muito tempo dentro dela. Rapidamente colocou tudo para fora, vomitando a sujeira de sua exposição. Câmeras filmavam, pontos na audiência subiam. “Auditório! Ela vomitou tudo! E eu tô acho que o almoço foi também!” O cinegrafista mostrava o grotesco da poça verde que ficava no chão do estúdio. O Ibope subia e ela voltava a ser comentário.

No dia seguinte, um adolescente chega da aula e corre para o computador para ver aquelas fantásticas imagens que estavam no You Tube. Já eram mais de dois mil acessos.

Gabriel de Barcelos

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