Desastre Incidental

1.

Quando a incidência de fortes e atípicas chuvas provocam na cidade um caos como o que estamos vivendo nesse momento, certas pessoas sentem-se tentadas a oferecer algum tipo de explicação. Ou algum tipo de manifestação a respeito. Dependendo do que digam, poderão ser acusadas de demagogos ou piruadores de plantão. Mas eles (eu, dentre os quais) não se emendam.

Uma das principais decorrências dos alagamentos provocados por chuvas caindo há mais de dez horas se verifica nos transportes ou meios de locomoção. Que em nossa cidade, como de resto no país, se realiza majoritariamente sob o modal rodoviário. Pessoas abandonam seus carros, saem dos ônibus para caminharem até suas casas, etc. Porque as ruas alagadas impedem a movimentação dos veículos. Que já não é a desejável em tempo seco (é só verificar os inúmeros engarrafamentos que acontecem com a necessidade de uma simples troca de pneus ou um acidente sem maiores consequências).

A despeito disso, ao longo do tempo, desde que o Governador Carlos Lacerda acabou com os bondes, nada se fez para que a opção pelo modal ferroviário fosse a prioritária. Pelo contrário, vimos em nossa cidade, como de resto no país, a desintegração e fossilização de nossas ferrovias e do transporte sobre trilhos. Que todos reconhecem como sendo o efetivo transporte de massa. Chegaram, inclusive, recentemente a desativar a Estação da Leopoldina, sem que nenhum dos cariocas ou fluminenses tivesse maiores satisfações a respeito.

É relativamente recente – porque se tornaria de qualquer modo inevitável – a preocupação dos governantes com a implantação do Metro. Mas não podemos dizer ainda que as linhas metroviárias sejam capazes de tornar secundário o transporte realizado pelos ônibus ou por vans. Mas o Metro e os trens, apesar de tudo, têm sido a alternativa para o sufoco que cariocas e fluminenses estão vivendo no dia de hoje.

E foi também por conta de uma opção errada pelo modal de transporte que estamos vendo no dia de hoje a cidade paralisada.

2.

Com relação a precipitações pluviométricas com tempo de recorrência superior a vinte ou trinta anos, não podemos apenas responsabilizar a maré alta, pela eventualidade da sua ocorrência num determinado período. A questão passa necessariamente pelo sistema de drenagem de que se vale a cidade. O seu perfeito funcionamento não vai eliminar a possibilidade de alagamentos em dias de fortes chuvas. Mas vai favorecer o escoamento das águas pluviais nesses dias.

A questão está também atrelada à ocupação desordenada do solo, das encostas e à impermeabilização do terreno. O sistema de drenagem deverá ter uma eficiência capaz de, pelo menos, suplantar o escoamento que se verificava com a capacidade de absorção das águas pelo terreno. Nele estando incluídos os vários integrantes (rios) do corpo fluvial onde deságuam as nossas galerias. Não só as galerias de águas pluviais não devem estar assoreadas. Os rios também.

Contudo, parece mais importante para o Governo do Estado a Lei Seca, como para o Governo Municipal o Choque de Ordem, do que a capacidade de escoamento de águas pluviais que possam oferecer as nossas galerias e os nossos rios. Isto porque a propaganda ou a mídia, em suas diversidades de ocorrências, não nos fala nada a respeito de um programa de ações nesse sentido.

E para que as autoridades se atenham à questão, será preciso que ocorra uma espécie de dilúvio, como este que estamos vivenciando.

3.

Sabemos que há cinqüenta anos, por exemplo, a quantidade em metros quadrados de logradouros não pavimentados seria bem maior que os logradouros em terra de hoje. Trinta ou cinqüenta vezes? Quem quiser faça a conta. O fato é que os alagamentos eram eliminados com a ajuda da absorção das águas pelo terreno. Hoje torna-se cada vez maior a nossa dependência das galerias pluviais e dos os rios em que deságuam, conduzindo depois as águas para o mar. É, portanto, inquestionável a necessidade de que não estejam assoreados nossos rios e galerias de águas pluviais. Mas não seria também plausível ou desejável a existência de grandes áreas (tipo áreas de proteção ambiental) não pavimentadas, estrategicamente localizadas, de modo a contribuir para o escoamento dos alagamentos?

Não seria hora de se regulamentar a ocupação desordenada e com fins apenas lucrativos do solo? De a Prefeitura parar de pensar na arrecadação de IPTU na hora das concessões dos licenciamentos para construção? Na Barra da Tijuca, por exemplo, não há um pedaço de terreno em que não se pense em construir um prédio, com o maior número possível de apErtamentos.

Rio, 06/04/2010

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 07/04/2010
Reeditado em 26/08/2011
Código do texto: T2183456
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