As moedas de Bajo
O pedinte retrocedeu ofendido. Rogava uma moeda. Recuou furioso. Miserável. Vagabundo adora a idéia de pai protetor.
- Tio me dá uma moeda...
Estúpido. Teve vontade de se livrar dele com agressividade. Manteve a cautela.
- Vá catar lata!
Ninguém precisa pedir nada a ninguém nos dias de hoje. Basta catar. É a noção de melhoria pelo aproveitamento da rejeição. A loja estava exposta à saída de mendigos alterados. Temeu que aquele cretino retornasse temendo ao mesmo tempo ser executado por razões fúteis. Ser lembrado como Bajo Marques, livreiro, assassinado por algumas moedas... Por muito menos Cristo fora traído.
Noutra ocasião havia lhe dado algumas moedas. Por impulso. Acessos de bondade ilimitada dessas que viram logo arrependimentos.
- Procure imaginar quantos livros eu vendo por dia? Hein? Indagou com aspereza. O desgraçado disse que simplesmente não sabia. Aquele “não sabe” de pouquíssima importância. Como se os tristes caraminguás de Bajo proviessem de manancial fácil, trivial, e que no momento, se omitiam ocultados por mesquinhez. Nunca com sacrifício. Quer dizer então que o dinheiro de Bajo pula para o bolso de Bajo por outra fonte... Sentiu asco. Teve vontade de lhe dar um tiro. Esfaqueá-lo porque havia ódio em seu olhar duro, fuzilado e curtido de ofendido.
Atrás do balcão Bajo purgava a raiva defensiva. Fez Bajo Marques pensar coisas ruins, merecia coisas ruins de Bajo... Era preciso ser cauteloso. Esperar. Talvez ele voltasse pedindo dinheiro. Arruinando o sentido dos livros, tolos e inúteis para o caso de agressão. Temia que o aborrecimento fosse longe demais, que algum cliente fosse atacado ou pior, que ele regressasse ao cair da tarde... Retornaria com ele o instinto ruim em seu estado crítico de sangue e pó.