Lira, a neta preferida de meu pai
Todo pai e mãe têm um filho preferido. Mesmo que digam, principalmente as mães, que amam seus filhos de maneira igual, como se o amor pudesse ser posto em uma balança e quantificado. Avô e avó também têm seu neto preferido.
Lílian, uma dos cinco filhos de minha irmã, era a neta preferida de Vicente, meu pai.
Ele, um homem já de idade, – geralmente os avós o são – analfabeto, não conseguia pronunciar corretamente o nome da neta – Lílian – e na sua linguagem rústica apenas dizia: Lira. E era assim que ele a chamava
Quando Lílian aprontava das suas e Arlinda, minha mãe, reclamava, meu pai apenas dizia: Lira, Lira. E a reprimenda acabava aí, na simples repetição do nome da neta. Perto dele ninguém ousava bater em Lílian, nem mesmo minha mãe. E ela e nós todos bem sabíamos disso.
Certa ocasião – Lílian aprontara mais uma das suas – minha mãe prometeu-lhe dar uma surra. Lílian passou uma semana dormindo com meu pai, quase encastelada no quarto, protegida pelo velho patriarca.. Meus pais, a essa época, já dormiam em quartos separados. Era como se o quarto fosse um lugar intransponível, mas a menina sabia que ali, nem mesmo a avó, seria capaz de cumprir a promessa da surra.
Um namorado que tive, em minha adolescência passada em Castro Alves – cidade do poeta – chamava meu pai de cangaceiro. Hoje, consigo ver naquela figura agreste, sempre metida em um gibão de couro de carneiro e mascando fumo, um velho cangaceiro saído das histórias de Lampião. Mas cangaceiro que não metia medo em ninguém, porque atrás de toda aquela maltratada aparência, seu Vicente era apenas o meu pai.
E, mais ainda, o avô de Lira, sua neta preferida.