ARREBATADORA PAIXÃO

Na pequena cidade de Morada do Sol não se agitava qualquer questão advocatícia de difícil resolução,fosse ela de instância trabalhista, cível ou penal, para cuja solução não fosse contratado, imediatamente, o Dr. Onofre ou Onofrinho, como era chamado pelos amigos mais íntimos. Dr. Onofre conseguia colocar sua assinatura em contratos milionários.

Beirando cinquenta anos, solteiro convicto, bem aparentado, desenvolto e sempre ágil, impregnado de fino humor, sarcástico quando necessário, era um homem simpático, virtuoso, apreciadíssimo por numerosos amigos e muito conceituado nas repartições do Fórum da velha cidade.

Com meio século de existência,sempre navegou em céu de brigadeiro, embora morasse nessa calmaria uma nuvenzinha que o incomodava: nunca se apaixonara por ninguém, não obstante, em algum momento, alguma mulher tivesse despertado o seu interesse.

As suas atuações eram tão brilhantes que, por vezes, conseguia elaborar pensamentos num tom tão profissional e dogmático, que não deixava de produzir o efeito pretendido no espírito de todos que o ouviam.

Raramente saia à rua pois todo o tempo era pouco para tratar das numerosas consultas que lhe dirigiam, provindas até da Capital, o que o levava a almoçar, merendar, jantar e até cear no velho escritório, a uma quadra do Fórum.

Aconselhado por um amigo, colocou um anúncio no jornal da cidade requisitando moças para uma entrevista de emprego.

No dia seguinte várias candidatas se apresentaram a ele, no escritório, para a referida entrevista. Eram moças simpáticas, bem apresentáveis mas, passeando os olhos por elas, causou-lhe rápida impressão uma linda moça que, pela elegância do vestuário e pela vivacidade de fisionomia, se destacava das outras.

A morena, de olhos verdes, lábios grossos, graciosamente contornados por baton carmim, esbelta sem ser alta, robusta sem ser gorda, fora contratada pelo Dr. Onofre, após dez minutos de entrevista.

Após algumas semanas de trabalho, Angélica, a nova secretária, mostrava que o que tinha de beleza e simpatia, tinha de eficiência, mostrando-se sempre muito afetuosa e compassiva com os numerosos clientes do Dr. Onofre.

Tinha, é verdade, a sua pontinha de vaidade, mas que outra mulher não a teria, tendo tantos atributos. Com 35 anos de idade , ainda era solteira e nem namorado tinha. Todas essas condições, reunidas, foram responsáveis por abalar o eficiente advogado.

Até mesmo alguns de seus amigos ao escritório compareciam, conduzidos pela simples curiosidade, alguns até mesmo instigados pela vaga esperança de uma promessa envolvida num sorriso ou num olhar.

Isso não foi diferente com o Dr. Onofre. A secretária já tirava o seu sono e ele já não pensava noutra coisa que não fosse agradar a moça. Cada vez mais apaixonado, já não podia controlar suas emoções, a ponto de deixar a moça perceber pois, a impressão que produzia se transformava em labareda, que faiscava de seus olhos, quando a moça estava por perto.

Animado das intenções mais puras e se achando digno da singular ventura de casar-se com ela, Dr. Onofre declarou-se, corajosamente. A linda moça, porém, o repeliu com a maior delicadeza e compostura, deixando-o tão angustiado , possuído por uma tristeza tão grande, que culminou com cinco dias de febre alta.

Suando por todos os poros, trêmulo de impaciência e com o coração aos saltos, um novo esforço, no sentido de persuadi-la, também não surtiu o efeito que desejava o respeitado advogado. Sentia-se envelhecer prematuramente no corpo e na alma, o que não passou desapercebido pelos amigos que o conheciam bem.

Dr. Alencar não tardou em ir até o escritório do amigo, na tentativa de levar uma palavra de consolo, mas convicto da árdua tarefa de convencer o amigo, inconsolável . O velho e experiente advogado sentou-se e pôs a desfolhar uns autos; mas, passados alguns minutos, sem levantar os olhos, enunciou: Esqueça essa mulher! Com a dialética própria que havia entre eles, discorreu, expôs e analisou tanto o caso, que a altercação o levou a sair convencido de que a empreitada surtira a eficácia desejada.

Alentado por esses conselhos amistosos e sensatos, Dr. Onofre até parecia respirar mais aliviado, e até disposto a carregar com resignação a sua cruz e tocar a vida pra frente.

O dia seguinte, porém, mostrou que ambos estavam enganados. Com uma longa crise de lágrimas, Dr. Onofre foi visto de bar em bar, bebendo sem parar. Com ar trêmulo de animal vencido, com dois passos pra cá, três pra lá, atravessou a velha praça em meio aos comentários dos circunstantes que, incrédulos, testemunharam aquilo que os olhos não queriam acreditar.

Mesmo de longe podia ser ouvido recitando palavras incompreensíveis. Na redondeza o que se ouvia é que no dia seguinte a casa do Dr. Onofre amanheceu com todas as portas e janelas fechadas, nada costumeiro para aquela cidadezinha do interior.

Informou um vizinho, o seu Alfredo, que o doutor havia se retirado bem cedinho, levando consigo apenas a sua habitual maleta.

Dr. Onofre nunca mais foi visto na pequena cidade de Morada do sol.