ENQUANTO NÃO MORRE SOFRA NORMALMENTE
 

 
 

Era um amor culpado o que sentia Tristão por Isolda...? A mim parece apenas mais uma história de amor bonito, impossível, sofrido e com final trágico. Reflito sobre isso e indago:  o quem vem a ser um “amor culpado”?  Pela ótica do filósofo Agaton, isto não existe, ele atribui ao amor todas as perfeições imagináveis possíveis. Interessante também, é o pensamento do comediógrafo Aristófanes, diz ele, que o amor é essa busca constante por sua outra metade a fim de se restabelecer o original e primitivo “todo”. Afirma também, que não se trata somente de união sexual, mas de “uma coisa” que a alma de um quer da alma do outro. Sobre essa “coisa” a alma não pode dizer, mas “advinha” o que quer e indica por enigma.

 
Discutir, definir o amor... Como se isto fosse possível, já o fizeram em“O Banquete” na casa de Agaton, onde reunidos encontravam-se Fedro, Pausânias, Enximaco, Aristófanes, Sócrates, Alcebíades, que depois de muita orgia e bebes mais do que comes, conforme narra Platão, essas excelências não chegaram a lugar nenhum, nem o Sócrates convenceu com a sua filosofia do amor, a sua genealogia aprendida na sua mocidade advinda da sacerdotiza Diotima . Assim, cada um com o seu conceito, considerado por alguns hodiernos, como irracional e explicado pela natureza.
 
E ai vem Ferreira Gullar, na sua crônica antológica sobre o amor e diz que o amor é um negócio complicado, de contornos imprecisos, um sentimento radical e portanto, na sua origem liberação e aventura e que às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. Diz ainda o poeta, que o amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.
 
 E enquanto não morre, sofra normalmente. Conselho do Chico Buarque.
 
 
Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 07/04/2010
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