O PAPAGAIO DE MULETA, A MULA DE CADEIRA DE RODAS, O PUXA-SACO E O DISCO DE VINIL

Geraldinho do Engenho é um grande poeta, um ótimo cronista e um dos melhores contadores de causos que eu conheço. E ele é daqui do Recanto, para quem ainda não sabe. Ele conta umas histórias acontecidas lá pelas bandas de Bom Despacho, e sua enorme região metropolitana, cidade do centro-oeste dessa gloriosa Minas Gerais, onde há muitas fazendas e gente da melhor qualidade. Eu como creio muito na natureza, na sabedoria que o homem vai adquirindo no contato com ela, sem fazer destruição, mas aprendendo, tenho cá também os meus casinhos, que não chegam aos pés do Geraldinho em termos de narrativa de qualidade, mas não deixam de ser igualmente verídicos. Depois que eu li o último dele (O PAPAGAIO DE MULETA E O PUXA SACO) falando sobre um papagaio que andava de muletas e de um moço que queria agradar o patrão arranjando uma cadeira de rodas como castigo para uma mula atrevida, resolvi contar uma história que eu guardo desde a época dos antigos discos de vinil. Pois vamos a ela.

Certa vez lá em Jacaraípe, no Espírito Santo, o rio que deságua na praia trazia muito lixo e trouxe um disco, desses antigos LPs só pela metade. Ele veio descendo na água e agarrou num barranco, de forma que a água ia batendo por baixo lhe fazendo rodar. Então, no dia do acontecido houve uma chuva e caiu um graveto bem ao lado como se fosse um braço de agulha de uma vitrola e ficou riscando o disco. A beira do rio ficava cheia de gente com suas varinhas de pescar e proseando enquanto aguardava uma beliscada de algum peixe distraído ou faminto por uma minhoca. Eu ia sempre lá jogar a minha varinha nem que fosse só para lavar as iscas, pois de pesca não sou lá muito bom. Então, quando se fez aquele silêncio misericordioso que os pescadores se impõem nos seus rituais, havia um som estranho. Repetitivo, chiado e muito estranho. Eu fui caminhando em direção àquele ruído, até que avistei o pedaço de disco rodando com o graveto lhe riscando os sulcos. Você não acredita que dava para a gente ouvir um trechinho da música? Ficava só repetindo assim: "...você não dorme mais no meu colchão, você não dorme mais no meu colchão, você não dorme mais no meu colchão...” Só não deu para ler o nome do autor. Acho que a água havia apagado aquele miolo do disco aonde vinham escritos os nomes das músicas. Depois de um tempo, para não perder a credibilidade, voltei lá na cidade, fiz um relatório, colhi as assinaturas das testemunhas presentes no dia do acontecido e entreguei ao prefeito para que ficasse registrado. Só não sei se ainda está guardado nos arquivos do município.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 07/04/2010
Reeditado em 07/04/2010
Código do texto: T2182046
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