É sempre lindo andar na cidade de São Paulo
Hoje, ao sair para rua e ver a fila de carros que não tinha final, senti um pequeno mal estar. Acho que um pouco que náusea, não sei bem ao certo. Via eu os semblantes dos motoristas em seus carros, grandes, pequenos, médios, utilitários, hatchbacks, sedans, pretos, vermelhos e pratas que eles não estavam propriamente felizes por estarem ali, parados naquele trânsito.
As expressões das pessoas eram de preocupação, cansaço, estresse, frustração, decepção, impotência e qualquer outra fisionomia que não seja a da felicidade. Mesmo o homem com terno e gravata em seu imponente utilitário importado, cheio de frisos pratas, que mesmo no tempo nublado brilhavam, mesmo este homem não trazia sorriso no rosto.
Olhei para outro homem, enquanto andava pela rua, este homem também usava camisa e gravata, não estava de terno, mas tinha ares de gente importante, não de um qualquer. O homem segurava um telefone celular e vociferava: “Está, definitivamente, tudo acabado, tudo acabado”. Achei estranho, pois a face do homem e suas vestes lhe davam uma aparência de distinção.
Mais à frente, precisei atravessar uma rua. Os motoristas dos carros adiantavam-se sobre a faixa de pedestres de maneira que para ir para o outro lado era necessário passar por entre os carros tomando cuidado para não ser por eles atropelado.
Contudo, ao atravessar, vinha outro carro da pista principal, numa velocidade incompatível com o lugar, precisei correr para que ele não passasse por cima de mim. O motorista deste carro parou, olhou para mim e abanou a cabeça.
E ele, de uma certa e predominante perspectiva, estava certo. Quem estava no lugar errado era eu. A nossa cidade foi feita para os carros, concebida para eles. Eles, os motoristas, detém a predominância e a preferência nas ruas. Se há alguém errado nesta história esse alguém sou eu, pois não tenho carro. Na cidade do carro eu não possuo carro. Penso ser por isso um fracassado.
Continuei andando pela rua, a náusea parecia ter piorado. O cheiro de escapamento de carro parece ter impregnado em minhas narinas.
Olho para a cidade do carro, com seus milhões de carros parados, a soltarem fumaça pelos escapamentos, vejo seres humanos com suas caras máquinas pagando caro por tê-las, o cruzamento se fecha, dezenas de buzinas são acionadas ao mesmo tempo na vã tentativa de conseguir avançar alguns centímetros. Olho para os carros parados, os homens falando ao celular, o semáforo se fecha novamente, o cheiro de fumaça está mais forte, a náusea parece aumentar ainda mais...
Tive que parar novamente para atravessar outra rua. Lembrei-me de que a cidade sofre com falta de transporte público. O governador está dizendo já há um bom tempo que o metrô está em franca expansão. É o governador! Aquele que quer ser presidente, está fazendo uma revolução no transporte público em São Paulo.
O ônibus continua lotado. O metrô continua insuficiente e também cheio de gente, mas o governador disse que a revolução está somente começando. Devemos ter paciência e esperar, pois palavra de governador é palavra de governador, não de prefeito.
É prefeito que diz uma coisa e faz outra, diz que não vai disputar eleição e disputa. O governador é homem de bem. O que devemos fazer é esperar. E quando ele for presidente? O Brasil será revolucionado! Até no Acre vai ter metrô.
Confiamos em você governador!
Mas, depois desse fechar de semáforo olhei novamente para rua e vi que o trânsito persistia, vi que as pessoas no carro continuavam com seus semblantes contrariados e inundados de decepção. As pessoas dentro do ônibus apertavam-se ainda, pois a revolução nos transportes apenas começou.
Os carros continuavam parados com seus motoristas frustrados dentro dos bens pelos quais ainda nem pagaram, a vida passava em frente a mim e àquelas pessoas presas em seus carros, o cheiro de escapamento tornava-se insuportável, a minha náusea chegara ao pico e eu finalmente vomitei.
Vomitei e vomitei muito. Todo aquele cenário me fazia um tremendo mal, muito mais mal do que um mal estar físico, o mal estar mesmo era na alma. Vomitei e vomitei enquanto as pessoas passavam e abanavam a cabeça em sinal de reprovação ao meu ato nojento.
Sentei na calçada e tentei tomar um ar.
Ninguém me perguntou nada. Fiquei ali por alguns minutos. As pessoas passavam por cima de mim ou desviavam sem me notar. Fui até um bar e comprei uma garrafa d’água para ver se melhorava. Pensei em tudo o que havia acontecido e tive vontade de ir para o interior. Uma casinha no meio do mato, tudo tranquilo, silêncio, sem fumaça, sem carros...
Putis! São 07h58! Tenho que me apressar para o trabalho. Preciso economizar para comprar um carro!