Babaquices
Procuro não perder mais meu tempo em discutir política. Não por alienação, mas por uma convicção muito íntima e elaborada, depois de ter contato com o ser humano e constatar como são fraudulentos esses humanos. Claro, respeito quem ainda acredita na política e procuro até dar um ou outro palpite, em consideração a uma minoria amadurecida. Mas não passo disso. Estou falando essas coisas, a propósito do que escreveu o genial Jabor sobre o seu “comunismo” e dando o seu alerta sobre as babaquices de que somos vítimas por extrema ingenuidade. Ele teve o guru dele, o tal de Jacques, com nariz cor de rosa e formato de couve-flor. Pois não é que também tive o meu, um tal de Caio, que tinha o nariz normal, até pequeno, mas, em compensação, tinha um vasto bigodão, imitando o Stalin, tipo bigode Olívio Dutra. Para mim era o homem mais corajoso do mundo. Mas vamos aos fatos. Ano de 1963, mesmo ano em que o Jabor se iludia e eu, sem conhecê-lo, também me iludia. A diferença entre nós é que eu não partia para a prática, sempre aderi silenciosamente e não passava da teoria. Devo isso à sabedoria de meu pai, que procurava me desiludir dessas babaquices. Caso eu partisse para a prática, levaria logo um bom peteleco na orelha e meu ânimo de revolucionário arrefeceria em dois tempos, ou melhor, em um tempo só. Sei que isso me aconteceria, em razão da história que meu velho sempre me contava. Certa vez, ainda molecote, em Manaus, meu pai dirige-se ao meu avô, o velho Sôtoviro, e lha dá um ultimato: “papai, eu vou ser padre!”. A resposta veio imediata: o arremesso de um tamanco, que zuniu rente ao seu ouvido. Não se falou mais no assunto. Sintetizando: acabou ali a vocação do meu pai, sem que o Sôtoviro proferisse uma única palavra. Isso é que é sabedoria, o resto é conversa. Mas como eu ia dizendo: teoricamente me alinhava com o comunismo e lia e vibrava com a dialética marxista. Segundo Marx, a burguesia seria a tese, e o proletariado, sua antítese. A síntese seria a superação da sociedade de classes por uma sem classes, levando automaticamente ao comunismo. Os conflitos entre burguesia e proletariado seriam o prenúncio de uma superação dialética da economia política. Ora, nos meus 20 anos de idade, romântico até o último fio do cabelo, tese, antítese e síntese tinham algo de uma inteligência superior e ainda por cima com um ar científico, que iria ditar a conduta que nós humanos teríamos que tomar. O romantismo dessa época dura da revolução ainda não falava de paz e amor, pelo contrário, dizia ser inevitável matar, sem o que a revolução não triunfaria. A revolução paz e amor veio muito depois, mas, no fundo é o que nós, babacas, naquela época, queríamos: paz e amor! E como todo ingênuo nos fialiavámos em partidos e acreditávamos logo nesses falsos líderes, nesses gurus de pés de barro, como sempre aconteceu na história da humanidade. Tirante “O Capital”, meu livro de cabeceira, naquele momento, era um livro que contava a história da revolução cubana de Fidel e como Cuba tinha se transformado num paraíso, acabando com a exploração do homem pelo homem, com a prostituição, e, finalmente, com a pobreza. Não cheguei, como o Jabor, a sentir que eu era o sal da terra e que a vida tinha um sentido... Talvez por não ter sido nunca um prático, jamais senti o gosto desse sal na minha boca. Neste ano de 1963, citado pelo Jabor, em sua crônica no jornal “o globo”, recordo-me perfeitamente que naquele ano assassinaram o Presidente Kennedy, o que provocou em nós “comunistas” uma sensação de alívio: era menos um americano no mundo, o que nos dava uma idéia de limpeza. E até por conta dessa ojeriza com americano recusava-me terminantemente a aprender inglês. Estava assistindo à noite uma aula de Direito Penal, na Faculdade Cândido Mendes, exatamente no dia 22 de novembro de 1963, quando uma aluna aparece na porta da sala de aula e, aos gritos,quase desmaiando de susto, com certeza americanófila, nos deu a notícia da morte do Presidente dos EEUU. O ano de 1963 foi marcante. O Brasil em ebulição, a um passo de se transformar em um país comunista. O meu líder Caio, com seu bigodão, e o líder Jacques, nariz cor-de-rosa, do Jabor, sei agora, através de sua crônica, comandavam a rebelião anunciada e que se estendeu até março de 1964. O que ninguém esperava: os militares se rebelam e sufocam esse movimento da esquerda, com a conseqüente queda do Governo Jango Goulart. Não sei como foi a decepção do Jabor. A minha foi imensa! O Caio bigodudo chorava feito criança, pedindo pelo amor de Deus que não tirassem o emprego público dele, pois precisava manter sua família. E foi o que aconteceu. A revolução não tomou conhecimento do “bigode”, assim como não tomou conhecimento do meu livro “A história da revolução russa”, em três volumes, de Leon Trotsky, que escondi, durante anos, com medo de que os militares invadissem meu apartamento lá nas Laranjeiras e me levassem preso para acertar as contas com a Revolução de 1964.