FILHOS DO LIXO

A TV Globo mostrou hoje no jornal Bom dia Brasil, a primeira de uma série de reportagens sobre o submundo do lixo.

No interior de Pernambuco, numa cidade tão grande a ponto de produzir quinze toneladas de lixo por dia, três crianças de dois a quatro anos, filhos de uma jovem que por ser catadora de lixo e por não ter creche no município, é obrigada a leva-los para o seu “ambiente de trabalho” numa carroça puxada por jumento, onde são transportados os materiais para reciclagem.

Essa mulher que mora num barraco miserável, onde falta tudo, levanta antes de clarear o dia, dá banho e veste as crianças, atrela o jumento à carroça e vão para o lixão da cidade onde as crianças podem comer restos de alimentos que foram jogados fora, contaminados pelo contato com material em decomposição, como aves mortas descartadas de criatórios, cujas carcaças apodrecidas são disputadas pelos demais catadores que as levam para terem o que comer em casa. No mesmo espaço, urubus disputam algo que os humanos não puderam aproveitar pelo adiantado estado de putrefação. Cada caminhão que chega, provoca uma corrida dos catadores para conseguir algo reciclável de valor comercial ou mesmo um reforço para alimentação do dia.

Essas cenas, dignas de compor as obras de Victor Hugo ou Dante Alighieri, são o retrato vil do descaso com a vida humana, da hipocrisia dos homens que se dizem cristãos, do descalabro com que são administradas as verbas públicas.

Onde está o Poder Judiciário?

Onde está o respeito aos direitos humanos?

Onde está o Estatuto da Criança e do Adolescente?

(que deveria atuar mais na prevenção que na punição)

Onde estão as verbas públicas para a construção e manutenção das creches e das escolas?

Outras duas moças foram mostradas. Os seus sonhos frustrados eram de arranjarem serviço no mercado formal de trabalho, uma delas, em lágrimas, verbalizou o desejo que tinha de ser Secretária, mas não pode estudar (faltou escola) e hoje, estão presas na vida degradante que nossa sociedade omissa, lhes destinou.

O que vai ser desse pessoal, sem comer, sem saúde, sem instrução?

Que outro futuro os espera além da miséria?

Até que o manto da droga os acolha, continuarão comendo lixo “morrendo um pouco a cada dia”*

Tenho vergonha de minha geração que fez com que chegássemos a esse ponto e, por minha omissão, tenho vergonha de mim.

*Verso de João Cabral de Melo Neto em Morte e Vida Severina.