DEZ DICAS PARA SER UMA JUÍZA
Uma desembargadora em fim de carreira levantou-se na manhã do septuagésimo aniversário determinada a encurtar o caminho entre os estudos excessivos e a efetiva aprovação no burocrático concurso da magistratura. Elaborou diretrizes para as mulheres ascenderem ao cargo de seus sonhos. Obviamente não possuem utilidade para os homens, pois partem de situações pragmáticas de quase cinco décadas de profissão construída sob a perspectiva feminina. Eis um resumo em dez itens:
1 – Conscientize-se: você é mal amada. Se alguém a amasse, você estaria planejando viagens, jantares, cinemas, teatros, saraus, caminhadas, festas, churrascos, encontros, salão de beleza, academia de ginástica, congressos científicos ou acadêmicos, empreendimentos financeiros ou atividades similares. Uma amada/amante jamais perde tempo em tentativas mórbidas.
2 – A mulher não se diferencia do homem pelos órgãos reprodutores, mas por duas características essenciais: feminilidade e odor di femina. Alguns travestis possuem feminilidade, mas não odor di femina. Uma mulher estulta, arrogante e inexorável eventualmente possui odor di femina, contudo padece de feminilidade. Convença-se: feminilidade e odor di femina estão longe de você.
3 – Jogue fora os lingeries. Maridos, namorados ou amantes se distanciarão. Quando loucura e desejo milagrosamente invadirem seu espírito, contrate assistentes técnicos. São baratos e acham-se aos milhões.
4 – Diferentemente da personagem de “Música anterior”, de Michel Laub, não perca tempo lendo Literatura, filosofia, sociologia ou economia. Requisite ao subordinado bajulador para resumir “A verdade e as formas jurídicas”, de Michel Foucault, e o capítulo que trata de direito em “O poder simbólico”, de Pierre Bourdieu. Aprenda desde já: direito é forma e jamais conteúdo.
5 – Se algum advogado discorrer sobre teorias sociológicas, filosóficas ou de ciências políticas, lembre-se de Kafka: o processo é uma loucura. Inverta as teorias, desestabilize os estudos dos últimos dois séculos, desmereça grandes pensadores e sentencie baseada na sua concepção de mundo. Devem constar de sua decisão palavras barrocas, frases ininteligíveis, parágrafos complicados e conclusões óbvias. Sua sentença promoverá dois resultados: muita pompa e nenhuma utilidade.
6 – Concentre suas leituras no Código Civil, Código Penal, Código Tributário Nacional, Consolidação das Leis Trabalhistas e competentes códigos de processo. A Constituição Federal não serve para nada. Nada se pode esperar de um país em que o presidente da República indica pessoas sem reputação ilibada e sem notório saber jurídico para a mais alta corte.
7 – Sem Constituição Federal e sem conhecimento profundo de teorias sociológicas, antropológicas, filosóficas ou econômicas, apareça no trabalho uma vez por semana. Lembre-se: a justiça é lenta, o processo é sem procedimento e seus prazos jamais se acabarão, mesmo que o Conselho Nacional de Justiça ordene que trabalhe de verdade.
8 – Jamais se curve às requisições dos tribunais superiores. Seu salário não pode ser confiscado, você não pode nem ser demitida nem transferida, ninguém pode pressioná-la. Você é uma Deusa: a rainha dos palácios infernais.
9 – Se você leu com interesse essas dicas em busca de soluções, artifícios, facilidades ou macetes para entrar na magistratura, tire o cavalo da chuva. Aprenda as formas, esqueça os conteúdos! Você vai ter de decorar livros, códigos e leis. Você ainda se acha mulher (e interessante?) perdendo tempo com isso? Todo mundo lê dicas de felicidade, de amor, de finanças, de costurar a boca do sapo para enfeitiçar um homem, de milagres, de construção, de viagens, de culinária ou de boa vida. Você acha que algum homem ou alguma mulher se encantariam com seus discursos sobre competência, jurisdição, poder originário, ato administrativo, formação de quadrilha, imposto de renda ou aviso prévio com multa de 40%?
10 – Se Heráclito acreditava na dinâmica da vida, a você foi dada a oportunidade de mudá-la: separe-se do marido, chute fora o namorado, consiga bom amante. A memória armazena o que nos deleita – e, em algumas situações, o que nos causa ojeriza. Se ainda pode se libertar dos domínios jurídicos superficiais, deixe ressonar em devaneios as palavras de Júlio Cesar ao marchar sobre Roma: Alea jact est.
*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 2 de abril de 2010.