Vila Carioca, ilha dos sapos
O bairro de Vila Carioca era conhecido por "Ilha dos sapos", terreno com baixa inclinação, um verdadeiro charco, tendo em sua volta vários rios. Na divisa de São Caetano o rio dos Meninos, rio Tamanduateí na divisa com a Vila Alpina, e o rio Tanque da Pólvora, rio que passa na Avenida Juntas Provisórias, divisa com o bairro Sacomã.
"A fedentina era insuportável, e, misturado às químicas e detritos das várias indústrias vizinhas, formava o caldeirão do inferno, adjetivo que bem representava aquele lugar para qualquer cristão que viesse a conhecê-lo por volta de 1947". (Daniel Ignácio Franco)
Outrora partes das terras "Sesmarias" pertenciam aos mais abastados, partes se tornaram de "Usucapião". A partir de 1950, alguns lotes eram vendidos por um preço considerado como barato, aliás, minha família Tangerino de Oliveira comprou um lote medindo 10x50m2 (500 metros quadrados), na Rua Albino de Moraes, 114, pagando em suaves prestações fixas sem juros num prazo de oito anos, terreno que pertencia à família "Cuoco".
Bairro em formação, terrenos baldios pra todo lado, que foi sendo povoado por imigrantes e migrantes. Falando de migrantes, presenciei por várias vezes a chegada dos tais "pau-de-arara", caminhões improvisados no transporte de retirantes nordestinos.
Próximo de casa foi construído um pequeno salão comercial, que servia como alojamento, que nos fundos morou o então menino "Lula" e família. Passando em frente deste salão, vi que tinha um grupo de pessoas em volta de um saco de farinha de mandioca, uns em pé, outros de cócoras, que ingeriam farinha completando a refeição com pedaços de carne, carne de sol, como eles diziam.
Boa parte da população usava fogão de lenha, nós usávamos um fogão tipo jacaré a querosene, outros usavam recipientes (lata de vinte litros) queimando pó-de-serra. Aliás, tinham duas serrarias nas proximidades: uma na Rua Álvaro do Vale, próximo da Rua Aída, e outra na Rua 1822, próximo da Sabrico, Rua Grito.
Nos anos 50 muitos moradores já usavam fogões a gás, e num certo dia de chuva um caminhão da Ultragaz, carregado de botijões, atolou na Rua Albino de Moraes, esquina com a Rua Antonio Frederico. Foi um Deus nos acuda, outros caminhões da empresa vinham prestar socorro e também ficaram atolados. Depois de muita labuta conseguiram desatolar um por um, que foram cinco caminhões atolados.
Em razão desse fato muitas pessoas aglomeravam em volta, neste ínterim vi um pequeno cão de cor preta, que peguei e levei para o fundo do meu quintal. A Dona Hercília Januário disse que logo vinha alguém procurar o cachorro, e sugeriu algo estranho, dizendo que se cortasse o rabo dele ninguém poderia dizer nada, daí eu ficaria com ele.
Isso ela fez, minutos depois o cachorrinho estava cotó, rabo curto. A Dona Hercília e sua família mudaram do bairro e nunca mais vi ninguém deles. O "negrinho" conviveu conosco por muitos anos.
Em 1984, estava eu andando de bicicleta na Avenida 24 de Outubro, próximo da Estação Ferroviária de Porto Ferreira, vejo uma senhora pilotando uma carroça e, para minha surpresa, acabei reconhecendo-a, era a Dona Hercília, a mulher que cortou o rabo do negrinho, meu cão.
Em tom de brincadeira eu disse pra ela: Foi a senhora que cortou o rabo do meu cachorro. Ela não entendeu o que tinha falado, e perguntou: você é o filho da Maria que morava na Vila Carioca? Sim, eu disse. Puxa vida, quanto tempo faz e você lembra disso, disse ela. Isso foi mais ou menos em 1958.
Hoje, dia 8 de janeiro de 2009, entro numa loja e encontro a Vanda, filha da Dona Hercília. Comentei isso com ela. Disse-me quando tinha nove anos de idade retornou para Porto Ferreira, vive feliz no sítio da família e não quer saber de modernidade. São Paulo eu não volto mais...