PARABÉNS, SARAMAGO!
Jovem e aclamado, mundialmente, aos setenta e cinco anos de idade (1 9 9 8). É assim que o escritor português José Saramago deve se encontrar, no momento, enquanto lavro estas mal trabalhadas linhas. Ou, no mínimo, senão tão jovializado, pelo menos, ele anda remoçado e feliz. E, deste modo, com todo o mérito e com muita razão.
Ex-operário metalúrgico, como o Lula, o artífice p o r t u g a acaba de arrastar para si, e para nós outros, todos os usuários da língua de Camões, a honraria do Prêmio Nobel de Literatura/1998 para a prateleira da tão maltratada Língua Portuguesa. Mas é bom que se diga: maltratada, e destratada, também, aqui, no Brasil.
Como o Lula, sem curso superior, apenas um autodidata. Nem por ter sido operário de fábrica e não possuir diploma de “analfabeto político” (muitos doutores são assim) deixou o velho escriba, ateu e comunista, de escalar o topo da mesa do conhecimento universal.
Pois, conforme estão caducos de saberem os meus botões, a maior glória para um profissional da escrita é faturar um Nobel, que feiamente – por aí, afora – grafam e/ou pronunciam N ó b e l.
Teriam que ser consumidos cerca de mil e setecentos/oitocentos anos de papel, na Língua Portuguesa, para que o míope autor de “O evangelho segundo Jesus Cristo”, botasse a mão no caneco do prêmio mais disputado na face da terra, no âmbito da literatura.
E vejam bem: representando Gil Vicente, Sá de Miranda, Camões, Camilo, Garret, Herculano, Castilho, Eça, Ortigão, Fernando Pessoa e tantos outros cobrões, em Portugal, além de José de Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, Lima Barreto, Bandeira, Drummond, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Guimarães Rosa, só para citar alguns gigantescos nomes de excelsa expressão, no Brasil. Isto sem se falar noutros notáveis de países de língua lusitana, no além-mar (Angola, Moçambique, Açores, Guiné-Bissau, etc.).
Pela ousadia de, mesmo sendo metalúrgico e sem canudo de papel, pelo teu peito de teres virado um escritor maior, oh c a r a, mesmo sem diploma de “analfabeto político”, na acepção de Bertolt Brecht, como tanta gente alienada e formada neste mundão largado, pelas tuas convicções ideológicas e filosóficas que tens defendido até hoje, muitas das quais bem aproximadas das ideias do ex-metalúrgico Lula da Silva, por tua luta sem trégua contra o brutal modelo de poder global que atualmente vem espoliando os estômagos do mundo, parabéns pelo p r e m a ç o do Nobel que tu acabas de arrancar para todos nós, macaqueadores do idioma que tentamos às duras penas falar, escrever, ler e decodificar.
Saramago, a tua pertinácia na escavação do solo de um idioma já tão garimpado, às vezes belamente recheado de lindas pedras preciosas (Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Adélia Prado, Florbela Espanca, Cora Coralina, por exemplo), mas outras vezes também maculado por baboseiras, modernices e chulices, tudo isso ainda nos revigora a esperança de que outros diamantes – como os teus, tão primorosos e lapidares – estarão por vir à tona da publicidade. Assim seja!
(Outubro de 1998)
Fort., 04/04/2010.