Ciranda
Era mais uma noite de calor insuportável naquela calma cidade interiorana. Podia sentir as chamas ardendo por dentro de seu corpo, não só por conta da quentura que fazia, era mais por causa do que vinha sentindo no serviço. As humilhações se sucediam diariamente, e ele calado, aturando tudo, com medo do desemprego, de faltar o pão à mulher e aos filhos. E oque não faltava naquela casa simples eram filhos, cinco crianças. Diacho! Culpa da mulher que não se prevenia, dizia que a pílula lhe fazia mal. Pois sim! Cada ano nascia um, aquele povo fofoqueiro comentava que mais pareciam coelhos. Gente enxerida!
Tomou seu banho e já saiu do banheiro suando. Sentou pra jantar em paz, enquanto as crianças brincavam na rua, de ciranda. Por alguns instantes lembrou de quando era pequeno. Tirou logo esses pensamentos da cabeça, melhor esquecer, tanto sofrimento. Vendo por esse lado até que os filhos tinham sorte, pelo menos não carregavam a enxada nos ombros. Não tinham brinquedos, mas podiam brincar.
A mulher resmungava sobre o preço do feijão, enquanto na tv da sala podia ouvir alguma coisa sobre os cuidados com as finanças e os melhores investimentos. Deu um sorriso frouxo. Precisava se preocupar só com o salário, pra durar todo o mês. O prato tava feito: arroz, feijão e dois ovos fritos. Ele e a mulher comiam com gosto, o tempero era o melhor que tem, a fome. Depois de um dia cansativo debaixo de sol, construindo prédio de bacana, tudo oque queria era tirar o vazio do estômago e descansar um pouco.
A vida tem seus encantos, pensava, enquanto tomava um gole de café requentado e olhava pela janela aquela noite linda de lua cheia. Os filhos já dormiam, a mulher tomava banho e ele olhava uma vez mais para o céu estrelado. Resolveu que já era hora de parar de pensar nos problemas, no chefe, no dinheiro. Quem sabe da vida da gente é Deus! Respirou uma vez mais antes de encostar a janela e foi deitar. Pelo buraco da telha continuava vendo as estrelas.