Fim do silêncio

O silêncio é à base da alma. Silêncio é alma. Pronto. Ocorre que o silêncio saiu de moda. Há muito me intriga essa ligação entre alegria e barulho. Foguete para exprimir festejos vem da sublimação dos tiros que eram dados em certos eventos. Se não explodissem as fábricas seria o melhor, mas nunca busquei na explosão da pólvora o teatro da felicidade. Prefiro a fortuna discreta dos tímidos. Sem foguetes. Sei que depois a memória explodirá em recordações sem riscos um belo dia.

Um vizinho dá uma festa de arromba e segue madrugada adentro. Para dizer que está feliz ele reserva-se no direito de elevar aos píncaros da audição o som repetitivo e explosivo: bom, bum, bom! É impossível dormir e sequer compartilhar. Poderia sem que ele soubesse dançar em casa com minha mulher. Utilizar o som dele sem pagar nada martelando dentro de casa para assar uma carne se não fosse duas horas da madrugada. Cheguei a pensar em me apresentar de roupão, bater na porta e pedir apenas licença para entrar na festa.

A poluição sonora é uma droga mal combatida no país dos gritos desde a independência que de coletiva passou a ser mal interpretada em âmbito individual. O excesso individual passou a ganhar pena coletiva pela pena ínsone de talião. Para se compreender a serenidade torna-se preciso educar o buraco negro dos tímpanos com o alimento da razão serena, nem por isso menos atraente e sensual do que toda a infernal barulheira, já que o silêncio preside os mortos e a agitação saltitante inebria os vivos, sem um lugar adequado para estardalhaços.

Chama-se a polícia. O policial informa que se alguém deseja se queixar, o “queixante” deverá assinar papéis, identificar-se parando assim no fórum onde discutirá sobre a insônia forçada. A parte interessada em dormir com doente em casa, idoso ou simplesmente por descanso, acabará envolvida como estorvo. Ahã! Estorvando a festa alheia...

- Alô, é da polícia? Bem, há uma festa dos infernos aqui perto. Lembra um tipo de festa pública barulhenta apoiada pela prefeitura. Dessas que se perdem no ar para que todos compreendam que ali está havendo um evento público de verdade e...

- Se quiser passamos aí para o senhor assinar a queixa e depois ir para o fórum através da abertura de processo... Vai querer?

- Não porque pode ser festa na casa de um... Deixa para lá.

- Obrigado.

Silêncio. É outra face do silêncio onde o que pode mais fala mais alto. Afinal é só mais um fim de semana sem sono.

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