Crônicantiga (Tudo igual há uma década)
As Virtualidades Do Real Virtual
Como diria, ou não, Montaigne, os que censuram os homens sempre se preocupam com coisas futuras, nos ensinam a gozar melhor os bens presentes, com eles nos descontentarmos. Os bens de cultura da sociedade cybervirtual, pós-moderna, têm condições de ser geridos de maneira menos caótica. Somos uma civilização on line, via satélite, mas nossos avoengos, descendentes das ilustres família dos Australopitecos e da “importante” árvore genealógica das chancelarias Cromagnon, nos legaram por herança uma genética não tão sublime, desde há cinco milhões de anos.
Descendentes de uma linhagem ancestral tão antiga, ilustre, não nos admiremos que até os cães de nossa melhor sociedade tenham “pedigree”. Do vira-lata ao “pitt-bull”, líderes políticos e econômicos, em pleno desabrochar do novo milênio, têm garantidas suas ideologias de domínio social pela mais amoral das violências: o terror social. Centenas de bilhões de dólares foram investidos na política nuclear, no horror da guerra-fria. Bastaria um único reduzido arsenal de mísseis balísticos intercontinentais ou uma breve seqüência de bombas de hidrogênio, para fazer acontecer a catástrofe de uma nova idade do gelo.
A glaciação virtual existe, sua semente está plantada ao exagero. Os arsenais atômicos têm capacidade de destruir o planeta 200 vezes. Ou mais. Basta uma. Mas os investimentos em destruição real e virtual, são mais importantes do que os na construção de uma sociedade sem múltiplas tensões sociais. Haverá uma nova glaciação, real, no Terceiro Milênio? Nossa herança virtual nos motiva à destrutividade compulsiva?
Os antigos exércitos de canibais modelo Anníbal, são hoje geridos por generais monitorados via satélite, com as mesmas pulsões das lideranças da História remota. Antigas e gloriosas histórias, que ainda acontecem motivadas por temores tão longínquos, ao mesmo tempo tão pós-neo-modernos. A ordem e o progresso da ultraviolência estão plantados virtualmente há tempo. As populações coaptadas pelo tráfico de influências, adaptam-se reciprocamente aos ossos mutuamente fraturados. Fissurados pela ânsia do desejo consumo globalizado. Insaciável.
Cresce a nação policial das armas e drogas. Investimentos na violência são prioritários. Investir na violência e em sua coibição por forças policiais é mais rentável em todos os sentidos. Gera medo e retração social. Assim como lucros imensos para os fabricantes de armas.
A educação nunca foi, é ou será investimento preferencial. Dos políticos sistêmicos da globalização.
Mudou a forma, a moda, o modo de vestir, os rituais. A essência instintiva dos executivos do colarinho branco, sua busca de alimentos, afirmação, seus ódios, vinganças, ritos funerários, violência, religião, medos, continuam, nos dias de hoje, a “revolução” neolítica de há cinco milênios. E quanto mais o tempo passa mais não saem do lugar. Ou seja: o tacape e a bomba nuclear são símbolos da evolução da competitividade pela violência. Ambas extremamente incivilizadas.
Os critérios costumeiros de promoção social, fazem, ainda agora, prevalecer os exemplos de cordialidade étnica que sempre caracterizaram a convenção bárbara e triunfal das hostes arcaicas, que hoje fazem acontecer o imperialismo psicocoletivo, cromagnon. Irracional. Nas metrópoles triunfam as inegáveis conquistas da modernidade: a cada cinco segundos uma fêmea representante da raça Homo sapiens sapiens é espancada e estuprada.
De cinco em cinco segundos acontecem violências tipo roubo, assalto, homicídio, latrocínio, chacinas gratuitas, seqüestros, invasões de domicílios, que se fazem presentes nos noticiários globalizados. A polícia de São Paulo mata três cidadãos por dia, nem sempre marginais. A propaganda vende pela tv diariamente, produtos, via imagens das mais avançadas conquistas da sociedade “poliandra”, da cultura e da civilização dos conjuntos de cantores da dança da garrafinha, dos pagodes das bundinhas, do romantismo piegas a cantar intermináveis serestas bregas. Canções populares de ninar os cornos.
As paquitas de auditório transformaram-se em traças, incansáveis no aplauso de cantores com discos de ouro, prata e lata: mostram-se sempre entusiasmadas por marmanjos que ganharam notoriedade, através da movimentação traseira da parte glútea, tradicionalmente conhecida como ponto focal da identidade tribal do american way of life latino e sulamericano: a bunda e todas as deliciosas maravilhas enlatadas, refrigeradas, cozidas, fritas e engarrafadas, que saem dela.
Todo dia é dia dos programas tvvisivos mostrarem o pipipopô das xuxetes, as culturas à Carla Perez & quejandas, a mexerem, remexerem, exaustivamente, no nariz de cada tvespectador, como se a insistirem em mostrar por onde saem os refrigerantes, os acarajés, os vatapás, os cachorros quentes, e as tortas de bacalhau ingeridas nas salas de jantar, lanchonetes e restaurantes.
No high-society, Vera Loiola comemora o aniversário de doze anos de sua “filhinha”, a cadelinha Pepizita. Na agenda das comemorações marcaram presença personalidades do mundo político e empresarial, que presentearam a cachorrinha com pingentes de ouro e coleiras embutidas de diamantes. Até São Pedro deu uma mãozinha. Na festa a céu aberto, em pleno inverno, não caiu uma gota de chuva, o que a fez a boa e caridosa dama da melhor saciedade, presentear um convento de freiras e um monastério com dez dúzias de ovos cada. Instituição.
Certamente Vera não simpatiza nem um pouco com a sugestão do cantor Eduardo Dusek: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”. Os programas matinais e vesperais estão repleto de mulheres ensinando como viabilizar na cozinha, receitas de bolos, salgadinhos, tortas e docinhos, enquanto contam e ouvem piadas de papagaio. Essas “intelectuais” da tv passam uma mensagem muito importante para a sociedade. Todos os dias insistem em mostrar ad nauseam que lugar de mulher é mesmo na cozinha, que suas mentalidades e inteligências não vão além da compreensão de piadas cretinas e receitas de bolos. Afinal, por que contar até sete se o melhor fogão tem só seis bocas?
Com todas essas virtualidades presentes no dia-a-dia da realidade de milhões de tvespectadores, que se pode esperar da cortina que se abre para o palco do Terceiro Milênio? As dramatizações sociais do próximo século (deste século) vão continuar reproduzindo a canção popular do século passado? Hoje, 03/04/10, o campeonato nacional do século XXI está no fim da primeira década. E as promessas de mudar muito as políticas todas, estão sempre devendo que se faça. E não se farsa.
Se o virtual condiciona, pessoal e coletivamente, o real, dessa forma banal e nociva, a realidade prometida para o próximo milênio (este milênio) se afirmará como uma constelação de estrelas anãs brancas, cafusas, louras, mulatas e morenas, que ensinam didaticamente, via satélite, uma geração de crianças a serem bem sucedidas na vida, rebolando o fiofózinho nas programações xuxalizadas das dancinhas da boca do gargalo. Das canções de ninar cornos.
Entram e saem governos, nenhum deles está nem aí para o fato de que a concessão de um canal de tv tem grande penetração pública, freudiana, entre as pessoas de todas as idades da sala de jantar. Os tvespectadores talvez não compreendam a profundidade da mensagem dessas mulheres que se expõem tão intimamente na tv: elas estão, talvez, querendo dizer, que, a cultura e a civilização do progresso, na realidade são a civilização e a cultura do retrocesso.
Que toda essa quantidade de enlatados e produtos industrializados, responsáveis pela baixa qualidade da produção tvvisiva e cinematográfica, são também co-responsáveis pela tirania social dos altos índices de criminalidade urbana, marca registrada da civilização do horror, da luxúria, do tráfico de drogas, do corporativismo sem cerimônia a serviço das influências político-econômicas socialmente deletérias.
Essas mulheres do vídeo estão dizendo, em suas mensagens ocultas, quando mostram o traseiro via produções de tv, que não adianta estetizar o rabo, ele continua sendo o responsável pelos dispositivos de saída de mercadorias processadas pelo esôfago, estômago, intestinos, rins e fígado: Até as guloseimas mais caras, o caviar mais negro, quando no sanitário, é tudo a mesma caca.
As verbas para educação, cultura, saúde, habitação, segurança, estão a engordar os ativos financeiros dos políticos. A cultura popular sobrevive desse nivelamento por baixo. Quem pode estar livre das conseqüências desse universo paralelo de radiações internéticas, tvvisivas, virtuais, via satélite?
Em meio a esse estertor de conteúdos pertinentes à educação de mínima qualidade, sabemos que a literatura deve encontrar uma forma de desmascarar a obscuridade da intenção dos que desejam ver esquecidos os períodos de tirania política que deram origem à cultura do horror e da luxúria, à baixa racionalidade do tráfico de influências, da repressão e da criminalidade. Bourroughs disse isso há tempo. Muito tempo. No século passado. No Milênio que se foi. E ainda agora são frases de patente atualidade:
Só os tolos, os analfabetos anímicos, ainda não descobriram que a luta entre ideologias foi apenas uma máscara para encobrir os processos de como se estabelece o controle, virtual e real, dos indivíduos numa sociedade real surrealista. A situação social, real, é semelhante à ficção “Nova Express”, Bourroughs. Nela, organismos parasitários ocupam hospedeiros humanos e os controlam por controle remoto. Tal como fazem os organismos parasitários das programações dos canais de tv.
Elas tornam impossível que a sociedade tenha e exercite certos tipos de pensamentos, sentimentos e percepções, exceto aqueles que a desvalorizam coletivamente e a nivelam por baixo, literalmente, pela bunda. Talvez seja o momento certo para as lideranças políticas da ultraviolência social, da miséria do real, repensarem um princípio, um conceito, uma palavra que certamente não pertencia à cultura naturalmente antropofágica de nossos ilustres antepassados da idade do fogo de lenha: Ética.
ÉTICA. Não a étitica dos anões dos orçamentos, dos buracos negros cheios de enlatados e refrigerantes, dos congressistas traficantes de influências burocratizadas pelos esquemas de corrupção sistêmica. Globalizada.
Aí está, resumida, a cultura e a civilização da inutilidade virtual, da insignificância, da vulgaridade, que não gera, não produz, nenhuma consciência pertinente, pessoal e coletiva, do mundo. A regra é a sexualidade mórbida, a verbalização confusa, as tolas variações mentais de uma juventude intelectualmente boba, culturalmente “excepcional”. Vítima de uma educação para o medo e a ultraviolência, a revolta vazia, os discursos de levar vantagem, a rebeldia sem causa, a toxocomania, as viroses.
A étitica da política de comunicação “on line”, via satélite das tvs, investe sadomazoquistamente na produção de uma cultura de sobrevivência para todos. 90% de toda a população tropical transformada em rufiões, traficantes, picaretas e alpinistas sociais: as únicas alternativas são as danças do fiofó, luxúria gls, ou praticar outro assalto, de preferência seguido de homicídio. Talvez toda essa cultura de exaltação escatológica, anal, da banalização do sentimento e da sexualidade, tenha algo com o fato de que 70% de todas as ações dos grandes conglomerados de tv do mundo, estejam nas mãos de empresas que representam investimentos da Máfia em prostituição, drogas, futebol e violência social.
O tempo e a história vão se consumar nessa realidade virtualmente deletéria, que se degenera intensamente todos os dias? Sêneca dizia que todo espírito preocupado com o futuro é infeliz. Talvez tenha chegada a hora de toda humanidade dedicar-se veementemente à “infelicidade”, entre aspas. Que amanhã real poderá haver para uma sociedade virtual que eleva, hoje, a ignorância e a baixaria, à real condição de valor e virtude? Que educação que nada.
A perversidade é uma tara tântrica. Tarantínica. Psicótica. Que promove uma insanidade coletiva contagiosa. Globalizada. Sistêmica.
As virtualidades do real virtual continuam as mesmas. Há décadas.