Crônica Pascoal
Crônica Pascoal
Casal e avôs, que vivem sob a introspecção da serra da Mantiqueira, preparam-se para celebrar a Páscoa com o único neto, que vive sob a alegria e o burburinho da beira-mar.
Como o capitalismo transformou todas as celebrações em promoções de vendas dos mais variados produtos, o avô está num supermercado para a árdua missão de comprar o tradicional ovo de chocolate, para presentear o netinho.
Missão cumprida e, já que ninguém o faz, premia-se com outra árdua compra: cafezinho e a mais querida das mineirices, pão de queijo.
Para consumar a premiação, como agulha num palheiro, procura lugar para sentar-se.
Lugar avista! São dois junto a um senhor, do tipo preto velho: negro, corpulento, bonachão e, certamente, avô também.
Pede licença, senta-se e apóia o presente sobre a cadeira ao lado e a bandeja com seu troféu sobre a mesa. Provavelmente, certo de que o companheiro de aventura já se premiara com lanche, senta-se e faz aquela tradicional pergunta: “o senhor está servido”?
Para sua surpresa, antecedida de gostosa gargalhada, expondo alvos e belos dentes, ouve como resposta, outra pergunta: se aceitasse o senhor repartiria?
Num dueto de risos apresentam-se e transformam a pequena mesa da praça de alimentação de supermercado numa de botequim. Menor mas, muito mais divertida.
Na mesa ao lado aguço meus sentidos, pois pressinto que um bom papo vai rolar.
Com a intimidade promovida pelas mesas de botequim e, quem sabe pelos ares pascoais, o preto velho pergunta: além de comprarmos ovos e outras figuras de chocolate para presentearmos nossas crianças, qual o sentido da Páscoa para o senhor?
E o branco velho responde: para te ser franco, como é mesmo o teu nome?
- Raul, e o teu nome?
- João Antõnio. Mas, como ia te dizendo, apesar das aulas de catecismo, o que aprendi mesmo foi nos filmes sobre o assunto que, quando bem jovem, assistia na quinta e sexta-feira santa, aos berros e xingamentos contra a covardia romana, bem como às lágrimas solidárias ao sofrimento do Cristo. Pois, há muito que me desinteressei sobre o assunto. Lembro de que a Páscoa era a Ressurreição do Cristo após sua morte entre os dois ladrões e renascendo do sepulcro, assustando aos guardas romanos com sua Luz. Era a vitória sobre a morte do Filho Humano de Deus.
- Sabe João Antônio a Páscoa já era celebrada por povos pagãos. Na mitologia nórdica, na germânica e na anglo-saxônica existe a celebração à deusa Ostera. Deusa da primavera, que comemorava a fertilidade. Ostera, repesentada por uma virgem segurando um ovo e observando um coelho, que pula alegremente em torno de seus pés nus, simboliza o renascimento da terra.
- João Antônio, não sei se para ti é importante o entendimento, mas sempre fui motivado para alcançá-lo. Agora, fica claro que coelho e ovo, são símbolos que velam significados. O ovo é símbolo tão antigo, com o qual tradições explicam o nascimento do universo - Ovo Cósmico. O coelho, com seu ufanismo na procriação, simboliza a fertilidade.
João Antônio querendo demonstrar sua admiração pela prosa, interrompeu e exclamou: Obrigado Raul! Agora sei que levo para meu neto não um simples ovo de chocolate, imposto pela promoção ao consumo, mas símbolo, que vela significado. Levo para meu neto o ovo, que simboliza sua vida, ainda imanente, misteriosa, velada nos seus dois aninhos, que está no início de seu desabrochar.
Raul, entusiasmado pela aprovação poética do branco velho, continuou:
- João Antônio, páscoa também, conhecida como pessach, celebra a libertação do povo hebreu da escravidão egípcia e seu retorno à Canaã, a Terra Prometida.
Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. A prosa foi interrompida pelo neto de Raul, jovem, exuberante e, como o neto de João Antônio, símbolo do renascimento e reflexo da beleza da Mãe Natureza.
Netos, símbolos da primavera da vida e de renovação das almas dos avôs.
Rasguei um guardanapo em quatro pedaços, escrevi meu nome e telefone em dois deles e os nomes dos donos da prosa nos outros dois .
Levantei-me e abordei os dois com a pergunta: os senhores residem aqui? A afirmativa, quase em coro deixou-me à vontade para lhes confessar de que aproveitara demais a conversa e queria propor encontros para prosas do mesmo nível regadas com as águas medicinais do parque.
Trocamos os número dos telefones e nos comprometemos a continuar a prosa.
Despedi-me desejando-lhes feliz Páscoa e votos de que aconteça a páscoa do Brasil: política com ética; impunidade zero; pleno emprego; erradicação de doenças outrora erradicadas; analfabetismo zero; justiça irrestrita; administração dos gastos públicos eficiente, eficaz; e, principalmente, que os Três Poderes atuem muito mais como Três Deveres.
Nos abraçamos como três velhos amigos e nos despedimos. O que faz o espírito pascoal...
Fontes – sites
culturalbrasil.pro.br/páscoa;
Equipe Brasil Escola