Amor Fiel e Verdadeiro

Numa certa noite, deitada em minha cama a pensar na vida (o que seguidamente acontece devido a minha insônia), sinto um calorzinho em meus pés, desvio então meus pensamentos para o motivo desse calor: o meu cãozinho: preto e abençoado com uma única manchinha branca de comprido em seu pescoço que muito lembra uma gravata. Trata-se do Guri. Eu, naquele momento, estava perdida, pensando na roupa que usaria para ir à aula na manhã seguinte, quando ele, delicadamente sobe em minha cama e se acomoda aos meus pés para dormir. Então começo a lembrar e perceber o quanto ele faz diferença nos meus dias.

Quando acordo, ele simplesmente levanta as orelhas, me passa um olhar de bom dia e volta a dormir. Isso, por si só, já me basta, porque afinal, ele é o único que faz isso, pois eu sou a primeira a acordar e sair de casa todos os dias. Quando volto, mesmo ele tendo passado o dia todo sendo mimado por minha mãe e por minhas irmãs, é para o meu colo que ele corre e não quer sair. Então eu me pergunto: como ele sabe que eu sou a dona dele? Como pode ter tanto amor por mim, se eu, no entanto, passo tão pouco tempo ao seu lado? O fato é que ele sabe!

Aprofundo-me nas lembranças da presença dele em minha vida, enquanto seu corpo quentinho aquece meus pés. Eis que me lembro dele correndo pela casa com as minhas meias, rasgando o papel higiênico todo do banheiro e quebrando o porta retrato que eu havia acabado de comprar. Mas não, nem isso tira o brilho que ele tem! Não consigo segurar o riso quando me recordo dele brigando com meus tênis, e ao mesmo tempo, sinto uma ternura imensa quando me vêm à mente os seus olhinhos fixos aos meus quando estou triste.

Com tudo isso, sinto vontade de acariciá-lo, mas isso significa que ele irá acordar, e ele parece tão calminho enquanto dorme que não me atrevo a atrapalhar seus sonhos de cachorro em um campo enorme cheio de meias, tênis, papeis higiênicos e moscas que voam baixo permitindo serem abocanhadas.

Essas pequenas lembranças dele me mostram valores que já não encontro em pessoas. Ele é fiel, é sincero, não é interesseiro (exceto quando sente fome), carinhoso, e divertido. Traz em seu coraçãozinho canino um amor que faz bem, incondicional, que simplesmente ama, que a única coisa que se espera em troca é um afago no pescoço. Que ama apenas porque ganha atenção. Um amor inteligente, capaz de sentir carinho e proteção.

Então Guri se mexe. Sento na cama e ele acorda. Olha-me fixamente, parece perceber que era motivo dos meus pensamentos. Estico-me, e o chamo para deitar ao meu lado. Ele desconfiado ( e animado) aceita. Mexo em sua testa, seu rabo balança mais que um espanador. Deito novamente, e ele parece duvidar que eu esteja mesmo deixando que durma ao meu lado, pois sempre soube que seu lugar de dormir era nos meus pés. Mas ainda assim, ele deita, e logo após eu durmo.

E assim, revendo isso em minha memória, creio que não há mais nada a ser escrito sobre a noite em que eu descobri o que posso chamar de amor fiel e verdadeiro.