Dona Lua
Amiga Lua
Testemunha ocular de nossas vidas. Quanto você já viu, já escutou nessa longa história humana. Mil serestas mil poemas e canções você nos inspirou. Quantos roubos e falcatruas sua luz iluminou. Não repare não dona lua; é que somos assim mesmo. Um dia fazemos poemas, somos puro lirismo. No outro esquartejamos o próximo por causa de uma cachaça. Fico imaginando aqui do pedacinho de mundo nas Minas Gerais, o quanto você já espiou. Quem sabe no passado sua clara consistência fez dia às mulas que transportavam as últimas encomendas do Aleijadinho, outro de luz clara. Quantas vezes do puro céu seu clarão fez luz nas arruelas escusas de Vila Rica para passar os espectros dos inconformados inconfidentes. Aposto que era de seu dia brilhante quando a cabeça de Tiradentes descansou no poste da ignomínia. Quiseram te dominar com o sujo pé americano, mas graças ao criador parece que não encontraram em sua pele ouro e diamantes, melhor assim. Se vissem o que vejo quereriam talvez cobrar a sua luz. Agora, os meninos meliantes picham nossas tendas. Marcam com spray nossas desigualdades. Mas antes também já te pichamos; lembras do São Jorge e o Dragão? Pois é, ele era santo e guerreiro. Eu sei que é engraçado, dona lua, alguém ser santo e guerreiro, mas é de nossa dualidade, lembras o escrito acima? Lirismo de vida, cachaça de morte.
Hoje dona lua, está cada dia mais difícil te ver. As lâmpadas nos postes abrem medíocre concorrência. Pensamos não precisar mais buscar em tuas fontes o precioso e necessário lirismo. Estamos por demais embevecidos na fria relação bate-papo via Internet. Nossas varandas onde entre amigos e vizinhos antes bebíamos o teu doce leite noturno e nos fartávamos de tantas paixões, restringiu-se em uma fria telinha e um teclado burro.
Mas não falta muito para que o grande liquidificador comece girar e tudo volte ser como dantes. Aí sim, o verbo se fará lua...